Quando criado, o universo virtual não possuía regras
específicas e as leis tiveram de acompanhar as mudanças. Algumas questões foram
levadas aos tribunais superiores para julgamento dos ministros de acordo com as
normas já existentes
A
internet, ao mesmo tempo em que criou novas possibilidades de relacionamentos
trouxe ao Judiciário demandas e conflitos até então inexistentes. Quando
surgiu, o universo virtual não possuía regras específicas e as leis tiveram de
acompanhar as mudanças. Algumas questões foram resolvidas com a elaboração de
novas normas, mas outras tantas tiveram de ser levadas aos tribunais superiores
para julgamento dos ministros em conformidade com as normas já existentes.
Para
a advogada especialista em direito digital Gisele Truzzi, é importante que os
operadores do direito acompanhem essa evolução com atualização profissional
constante. “Caso contrário, ficarão parados no tempo, tornando-se profissionais
obsoletos fundamentados em decisões ultrapassadas”, aponta.
Os
instrumentos virtuais criaram a possibilidade da prática de novos crimes, como
a ação de hackers ou a criação de vírus – os chamados crimes cibernéticos
puros. Além disso, propiciaram uma nova forma de realização de velhos delitos,
como o estelionato e a exploração sexual e o plágio.
Para
a resolução desse tipo de demanda, o Judiciário teve de se adequar e ainda não
pacificou a questão, mas as decisões dão uma ideia da linha a ser seguida.
Nesta edição, o Justiça & Direito traz algumas questões discutidas pelos
ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e suas decisões, com
comentários de especialistas. “A internet trouxe uma série de facilidades, um
ganho grande em termos de informação e de mobilização das pessoas, mas temos de
manter os mesmo valores que tínhamos antes”, aponta a advogada especialista em
direito digital Sandra Tomazi.
Curso do processo
Em
um primeiro momento, os ministros do STJ consideraram que as informações de
andamento processual disponíveis no meio virtual não poderiam ser consideradas
para o cálculo de prazos judiciais (REsp 989.711). Entretanto, em decisão
recente, a Corte Especial do órgão decidiu que as informações processuais
disponíveis nas páginas dos tribunais devem ser consideradas oficiais (REsp
1.324.432). O novo entendimento se deu por conta do alto índice de consulta aos
processos pelos advogados no meio eletrônico e com a publicação da Lei do
Processo Eletrônico (Lei 11.419/06).
“A
exigência de adaptação e treinamento de todos os funcionários do Judiciário e
advogados, que também deverão adquirir certificados digitais e aprender a
peticionar eletronicamente, além de manutenção efetiva de toda a rede e
infraestrutura para transmissão dos dados do Judiciário [é um ponto
negativo].”André Kiyoshi de Macedo Onodera, advogado especialista em Direito
Digital e Telecomunicações.
“A
internet trouxe mais celeridade ao processo e não há motivo para o Judiciário
não reconhecer a validade dos documentos eletrônicos, até porque o documento
não significa o papel, que é só um suporte, a tendência é que cada vez mais
eles sejam gerados de forma eletrônica.” Sandra Tomazi, advogada especialista
em direito digital.
“É
importante que as citações e intimações sejam efetuadas de maneira tradicional
porque há o risco de enfrentarmos problemas com a tecnologia, tais como o não
recebimento do correio eletrônico, maior utilização da imagem do Judiciário
para prática de phishing scam, entre outros. Além do que, as partes poderão
utilizar a falha da tecnologia como fundamento para requererem devolução de
prazos já perdidos.” Gisele Truzzi, advogada especialista em direito digital.
E-mail
Com
a popularização da internet e o uso frequente dos correios eletrônicos,
começaram a chegar ao STJ casos envolvendo esse tipo de ferramenta. Em uma
ação, o órgão analisou a responsabilidade do provedor de correio eletrônico que
não revela dados de usuários que transmitem mensagens ofensivas por e-mail.
Segundo entendimento da Terceira Turma, a culpa em casos assim é exclusiva do
usuário da conta de e-mail (REsp 1.300.161).
“Deve-se
ressaltar o sigilo das correspondências e comunicações telegráficas previsto na
Constituição Federal, e que se estende aos e-mails. Outras garantias são os
direitos à intimidade, à vida privada e à imagem, que também não devem ser
violados, sob pena de indenização pelo dano material ou moral.”André Kiyoshi de
Macedo Onodera, advogado especialista em Direito Digital e Telecomunicações.
“Na
maioria das vezes, os dados cadastrais informados pelos usuários envolvidos em
crimes são falsos, por isso é importante guardar também os dados de acesso, com
os quais é possível identificar o responsável, mas hoje não há obrigação sobre
a guarda dos registros eletrônicos. Dependendo do tempo, os dados são apagados,
por isso é importante haver uma definição de prazo para essa guarda.”Sandra
Tomazi, advogada especialista em direito digital.
“Foi
imprescindível que os tribunais uniformizassem suas decisões para aceitar o
e-mail como prova válida nos processos. O e-mail comum não pode ser considerado
uma carta, pois pode ser visível aos provedores até chegar ao destinatário e,
portanto, somente o e-mail criptografado poderia ser considerado como
carta.”Gisele Truzzi, advogada especialista em direito digital.
Ferramentas de pesquisa
Maior
provedor da internet, proprietário do site de buscas mais acessado e dono de
serviços como o Gmail e o Youtube, o Google, como era de se esperar, não fica
de fora de ações movidas no STJ. Em um dos casos mais recentes, a ministra
Nancy Andrighi determinou que a empresa quebrasse o sigilo dos e-mails de
alguns investigados. São várias as ações que pedem também danos morais pela
demora na retirada de conteúdos ofensivos. Em uma delas, o diretor de uma
faculdade em Minas Gerais recebeu indenização de R$ 20 mil porque não foram
retiradas do ar as páginas de um blog criado por estudantes e hospedado no
servidor Blogspot, de propriedade da empresa (REsp 1.192.208). Apesar de
reconhecer a relação de consumo entre o provedor e o usuário e exigir a remoção
do conteúdo, nesta decisão, a ministra Nancy Andrighi ressaltou que o provedor
deve garantir sigilo, segurança e inviolabilidade dos dados cadastrais dos usuários.
“Este
é um dos assuntos mais polêmicos, porque a desindexação pode ser solicitada,
mas o argumento utilizado é que não há capacidade técnica para fazer isso
porque o link pode ser retirado, mas podem ser criados outros.” Sandra Tomazi,
advogada especialista em direito digital.
“Infelizmente,
o Google e outros provedores de conteúdo não filtram e selecionam o que é
inserido na rede e não têm responsabilidade sobre o conteúdo. Somente tomam
conhecimento de que há algo ofensivo quando são notificados. Mas é difícil
excluir definitivamente determinado conteúdo, pois ele pode ser copiado por um
usuário qualquer e replicado na rede.” André Kiyoshi de Macedo Onodera,
advogado especialista em Direito Digital e Telecomunicações.
Sites de relacionamento
Apesar
de serem uma ferramenta importante para o relacionamento interpessoal e para a
divulgação de informações, as redes sociais também são utilizadas de maneira
inadequada por alguns usuários. Esse tipo de atitude gerou diversas ações no
STJ, como a que versa sobre a responsabilidade do provedor do serviço. No
entendimento do ministro Sidnei Beneti, o provedor deve retirar o material
ofensivo do ar, mas não é responsável pela ofensa gerada (REsp 1.306.066 / REsp
1.175.675). Já o ministro Marco Buzzi considerou, em decisão sobre outra ação,
que, quando o provedor não possui ferramentas eficazes para o controle de
abusos nas redes sociais, assume o ônus da má utilização do serviço e é
responsável pelo dano causado ao usuário (AREsp 121.496).
“A
teoria da responsabilidade civil solidária aplicável aos provedores de internet
é a mais coerente. Desse modo, o provedor é responsável solidariamente pelo
dano a partir do momento em que, ciente do conteúdo ilícito, se mantém
omisso.”Gisele Truzzi, advogada especialista em direito digital.
“Apesar
de o provedor de redes sociais disponibilizar o serviço, não é responsável pelo
conteúdo e não consegue fazer um monitoramento constante. O provedor precisa
ter um canal de denúncia, para que a pessoa possa informar a ilicitude, mas
fazer monitoramento disso é inviável.” Sandra Tomazi, advogada especialista em
direito digital
Por
Katna Baran
Fonte
Gazeta do Povo