O
conceito é centenário: as pessoas tendem a gostar — ou desgostar — de tudo e de
todos com base em primeiras impressões. O psicólogo e pesquisador Edward
Thorndike aprofundou os estudos sobre essa característica humana, concluindo
que, se a primeira impressão é boa, as pessoas criam um “efeito auréola” (“halo
effect”) em torno de suas novas relações, que as protegem contra a descoberta
posterior de pontos fracos.
Mas,
obviamente, o efeito também pode ser negativo, segundo Thorndike. Se as
primeiras impressões, as que sempre ficam, forem ruins, a expectativa de que tudo
o que vem depois só pode negativa. Esse efeito, bom ou ruim, pode ser entendido
como um “preconceito cognitivo” que as pessoas adotam, sem racionalizar suas
percepções.
“A
declaração de que Hitler amava crianças e cães é chocante, porque qualquer traço
de bondade em uma pessoa já rotulada de diabólica viola as expectativas
estabelecidas pelo efeito auréola”, diz o advogado Bryan Garner, escritor do
livro “A Petição Ganhadora”, editor do “Black’s Law Dictionary e presidente da
LawProse Inc., em um artigo sobre petições.
E
o que teorias sobre “efeito auréola” e “preconceito cognitivo” têm a ver com
petições, ele pergunta. “Tudo”, ele responde. O conceito de primeiras
impressões não se aplica apenas a pessoas. Na verdade, se aplica a quase tudo:
coisas, empresas, marcas, produtos e, até mesmo, a processos judiciais.
E,
é claro, a primeira impressão que um julgador pode ter um processo é a que ele
tem ao ler uma petição.
Garner
escreveu que, quando faz essa afirmação nos cursos de educação continuada, nos
quais ensina redação jurídica, alguns advogados a contestam, até de forma um
tanto ríspida, algumas vezes. Para eles, o que o juiz precisa é de fatos,
provas e sustentação jurídica — e não de uma redação que os agrade.
Ele
cita então declarações do ministro da Suprema Corte dos EUA Antonin Scalia,
quando ele o entrevistou. Scalia disse que quando vê uma petição escrita de
forma medíocre, ele tem uma percepção de que o redator é um pensador medíocre.
“Seria
muito raro uma pessoa pensar com clareza, precisão e cuidado e não escrever da
mesma forma. Em sentido oposto, é raro que uma pessoa sem essas qualidades de
pensamento escreva bem”, disse o ministro.
Assim,
não é uma questão só de agradar o julgador. É uma questão de criar uma boa
impressão, que pode resultar em uma boa vontade do julgador e ajudar o advogado
(ou promotor) a obter uma decisão favorável para seu cliente.
Garner
escreveu que, nos EUA, os juízes repetem, com frequência, uma ladainha sobre o
que pensam de petições:
1)
pequenos erros indicam a existência de grandes erros;
2)
menos é mais;
3)
petições bem escritas demandam pouco esforço físico e mental do leitor.
Preconceito cognitivo
Pequenos
erros gramaticais, de grafia e de pontuação são as primeiras coisas que um
leitor atento nota, ele diz. O julgador pode ter um ataque de preconceito
cognitivo e ter dificuldades para absorver, satisfatoriamente, o significado
dos parágrafos e a estrutura dos argumentos, só por causa do desleixo na
redação, ele afirma.
Por
isso, é necessário que o redator da petição faça um trabalho minucioso,
exaustivo, de revisão do texto. A revisão deve ser feita por ele e por
terceiros, o que pode incluir um revisor profissional nos quadros da empresa ou
um revisor profissional free-lancing.
O
fato é que a maioria dos juízes correlaciona um texto claro, preciso, enxuto,
com sentenças nítidas e citações corretas ao cuidado profissional do advogado
(ou promotor) e até mesmo a sua capacidade de apresentar fundamentos
substantivos. E correlaciona qualidades opostas à incapacidade de apresentar
bons argumentos. Primeiras impressões perduram.
Menos é mais
Essa
expressão, “menos é mais” (“less is more”), foi popularizada em 1855 pelo poeta
Robert Browning, para celebrar a capacidade de concisão do escritor. Isso
inclui a capacidade do escritor de cortar todas as palavras, expressões e
sentenças que não são realmente necessárias para esclarecer o julgador e
ajudá-lo a formar uma decisão.
“Isso
não significa que o texto tenha de ser muito curto. O texto tem de ter
substância — mas apenas o suficiente”, diz Garner.
Em
uma entrevista com o ministro da Suprema Corte Stephen Breyer, ele discutiu
esse tema. O ministro lhe disse que o advogado não precisa colocar tudo o que
lhe vem à cabeça na petição. “Quando vejo uma petição com 50 páginas, o que vem
à cabeça é que o advogado não tem ideia do que é realmente importante no
processo. Quando o número de páginas baixa para menos de 30, por exemplo, tenho
a sensação de que ele sabe que a lei está do lado dele”.
Às
vezes, dois ou três pontos fortes são o suficiente para formar a convicção do
julgador. Já está provado — cientificamente, diz Garner — que o acréscimo de
pontos fracos em uma linha de raciocínio dilui os pontos fortes.
O
psicólogo e economista Daniel Kahneman, ganhador do prêmio Nobel, relata uma
experiência singela, que ilustra o efeito destrutivo de peças fracas sobre as
peças fortes. Consumidores foram solicitados a avaliar um jogo de louça, copos
e talheres para mesa de boa qualidade, chegando-se a um “preço justo” de US$ 33
dólares. Outros consumidores foram solicitados a avaliar o mesmo jogo de
jantar, ao qual foram acrescidas algumas peças de má qualidade. O preço caiu
para US$ 23.
Kahneman
também conta o caso de uma estratégia ruim de um vendedor, que comercializava
um produto muito caro. Para agradecer os clientes, ele acrescentou ao “pacote”
um presente barato. Foi um tiro que saiu pela culatra, com resultados ruins
para os negócios.
Menos complexo
A
escolha de apresentar apenas os fatos e argumentos fortes em uma petição — e
simplesmente se desfazer dos fracos — torna a leitura e o entendimento da peça
mais fácil, por uma razão muito simples: elimina a complexidade.
Consequentemente, evita que o leitor faça esforços físicos e mentais
desnecessários para ler a petição.
Segundo
Garner, alguns advogados dizem que é obrigação do juiz ler a petição, seja
fácil ou difícil. É o trabalho deles. Pode ser, mas podem haver consequências
desagradáveis, de acordo com Kahneman. Ele diz que a ciência já comprovou que,
quando as pessoas são exauridas cognitivamente, podem fazer “julgamentos
superficiais” ou “escolhas egoístas”.
“Sempre
que está fazendo alguma coisa que requer esforço ou autocontrole, você está
esgotando suas reservas. Sua vontade e sua capacidade de se concentrar declina
substancialmente”, ele diz.
Kahneman
acrescenta: “A ideia de energia mental é mais do que uma mera metáfora. O
sistema nervoso consome mais glicose do que a maioria das demais partes do
corpo. E uma atividade mental que exige muito esforço é particularmente cara na
moeda da glicose. O nível de glicose no sangue cai substancialmente. O efeito é
semelhante ao de um atleta em uma corrida de 100 metros, que consome a glicose
armazenada em seus músculos”.
Um
texto, no caso uma petição, tem de ter começo, meio e fim, disse Aristóteles. O
começo é o mais importante; o fim é o segundo mais importante trecho da
petição, diz Garner.
No
começo, ele diz, o advogado tem de expor os fatos de uma maneira clara e
concisa. E fazê-lo de uma forma que qualquer pessoa possa entender. Aliás, o
leitor tem de entender os fatos no primeiro parágrafo ou no primeiro e segundo
parágrafos. Jamais tem de ler até o décimo parágrafo para saber do que se trata
a questão. “Se uma revista fizer isso, você cancela a assinatura”, diz Garner.
O
meio traz todas as demais informações necessárias à formação de opinião do
julgador: argumentos, sustentação jurídica, referência a provas, entre outros.
A conclusão não pode ser apenas algo como “com base no que foi dito, peço
que...”. Ela tem de ser vigorosa. “É onde você sumariza o caso
convincentemente, mencionando o suporte jurídico, e pede uma decisão a favor de
seu cliente” — embora concisamente.
Por
João Ozorio de Melo
Fonte
Consultor Jurídico