Quem
nunca se arrependeu de uma compra por impulso que atire o primeiro cartão de
crédito. De acordo com o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a
situação é muito frequente, mas poucos consumidores sabem que podem desistir da
aquisição e receber seu dinheiro de volta, sem ter de dar nenhuma explicação,
se a compra tiver sido feita por telefone ou pela internet. É o chamado direito
de arrependimento, garantido pelo artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor
(CDC).
O
dispositivo assegura que “o consumidor pode desistir do contrato, no prazo de
sete dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou
serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços
ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a
domicílio”.
Seu
parágrafo único estabelece que “se o consumidor exercitar o direito de
arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a
qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato,
monetariamente atualizados”.
Vale
ressaltar que o direito de arrependimento não se aplica a compras realizadas
dentro do estabelecimento comercial. Nessa hipótese, o consumidor só poderá
pedir a devolução do dinheiro se o produto tiver defeito que não seja sanado no
prazo de 30 dias. Essa é a regra prevista no artigo 18 do CDC.
Custo de transporte
Em
caso de desistência da compra, quem arca com a despesa de entrega e devolução
do produto? A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que
esse ônus é do comerciante. “Eventuais prejuízos enfrentados pelo fornecedor
nesse tipo de contratação são inerentes à modalidade de venda agressiva fora do
estabelecimento comercial”, diz a ementa do REsp 1.340.604.
O
relator do caso, ministro Mauro Campbell Marques, afirmou no voto que “aceitar
o contrário é criar limitação ao direito de arrependimento, legalmente não
previsto, além de desestimular tal tipo de comércio, tão comum nos dias
atuais”.
A
tese foi fixada no julgamento de um recurso do estado do Rio de Janeiro contra
a TV Sky Shop S/A, responsável pelo canal de compras Shoptime. O processo
discutiu a legalidade da multa aplicada à empresa por impor cláusula contratual
que responsabilizava o consumidor pelas despesas com serviço postal decorrente
da devolução de produtos.
Seguindo
o que estabelece o parágrafo único do artigo 49 do CDC, os ministros entenderam
que todo e qualquer custo em que o consumidor tenha incorrido deve ser
ressarcido para que ele volte à exata situação anterior à compra.
Assim,
a Turma deu provimento ao recurso para declarar legal a multa imposta, cujo
valor deveria ser analisado pela Justiça do Rio de Janeiro.
Financiamento bancário
O
consumidor pode exercer o direito de arrependimento ao contratar um empréstimo
bancário fora das instalações do banco. A decisão é da Terceira Turma no
julgamento de recurso especial referente a ação de busca e apreensão ajuizada
pelo Banco ABN Amro Real S/A.
A
ação foi ajuizada em razão do inadimplemento de contrato de financiamento, com
cláusula de alienação fiduciária em garantia (em que um bem móvel ou imóvel é
dado como garantia da dívida). A sentença negou o pedido do banco por
considerar que o contrato foi celebrado no escritório do cliente, que
manifestou o arrependimento no sexto dia seguinte à assinatura do negócio.
No
julgamento da apelação, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) afastou a
aplicação do CDC ao caso e deu provimento ao recurso do banco.
A
relatora, ministra Nancy Andrighi, destacou primeiramente que a Segunda Seção
do STJ tem consolidado o entendimento de que o CDC se aplica às instituições
financeiras, conforme estabelece a Súmula 297 do tribunal.
Sendo
válida a aplicação do artigo 49, a relatora ressaltou que é possível discutir
em ação de busca e apreensão a resolução do contrato de financiamento garantido
por alienação fiduciária.
Para
Nancy Andrighi, após a notificação da instituição financeira, o exercício da
cláusula de arrependimento – que é implícita ao contrato de financiamento –
deve ser interpretado como causa de resolução tácita do contrato, com a
consequência de restabelecer as partes ao estado anterior (REsp 930.351).
Em discussão
Para
facilitar ainda mais o exercício do direito de arrependimento, o Ministério
Público (MP) de São Paulo ajuizou ação civil pública com o objetivo de impor
nos contratos de adesão da Via Varejo S/A, que detém a rede Ponto Frio, multa
de 2% sobre o preço da mercadoria comprada em caso de não restituição imediata
dos valores pagos pelo consumidor que desiste da compra. Pediu ainda inclusão
de outras garantias, como fixação de prazo para devolução do dinheiro.
A
Justiça paulista atendeu aos pedidos, e a empresa recorreu ao STJ, que ainda
não julgou a questão. Com o início da execução provisória da sentença, a Via
Varejo ajuizou medida cautelar pedindo atribuição de efeito suspensivo ao
recurso especial que tramita na corte superior. Trata-se do AREsp 553.382.
O
ministro Paulo de Tarso Sanseverino, relator do caso, deferiu a medida cautelar
por considerar que o tema é novo e merece exame detalhado do STJ, o que será
feito no julgamento do recurso especial. O Ministério Público Federal recorreu,
mas a Terceira Turma manteve a decisão monocrática do relator (MC 22.722).
Alteração do CDC
O
direito de arrependimento recebeu tratamento especial na atualização do CDC,
cujo anteprojeto foi elaborado por uma comissão de juristas especialistas no
tema, entre eles o ministro do STJ Herman Benjamin. A mudança é discutida em
diversos projetos de lei, que tramitam em conjunto.
O
PLS 281/12 (o texto do substitutivo está na página 44) trata dessa garantia na
Seção VII, dedicada ao comércio eletrônico. Atualmente em tramitação na
Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado, o projeto amplia
consideravelmente as disposições do artigo 49, facilitando o exercício do
direito de arrependimento. Há emenda para aumentar de sete para 14 dias o prazo
de reflexão, a contar da compra ou do recebimento do produto, o que ocorrer por
último.
O
texto equipara a compra à distância àquela em que, mesmo realizada dentro da
loja, o consumidor não tenha tido acesso físico ao produto. É o que ocorre
muitas vezes na venda de automóveis em concessionárias, quando o carro não está
no local.
Também
há propostas para facilitar a devolução de valores já pagos no cartão de
crédito, para obrigar os fornecedores a informar ostensivamente a possibilidade
do exercício de arrependimento e para impor multa a quem não cumprir as regras.
Passagem aérea
Outra
questão que ainda não tem jurisprudência firmada refere-se ao exercício do
direito de arrependimento nas compras de passagens aéreas pela internet. O Idec
defende que o artigo 49 do CDC também deve ser aplicado a esse mercado, mas não
é o que costuma acontecer na prática, segundo o instituto.
O
PLS 281 prevê a inclusão no código do artigo 49-A para tratar especificamente
de bilhetes aéreos. O texto estabelece que, nesse caso, o consumidor poderá ter
prazo diferenciado para exercer o direito de arrependimento, em virtude das
peculiaridades do contrato, por norma fundamentada da agência reguladora do
setor.
A
agência, no caso, é a Anac (Agencia Nacional de Aviacao Civil), que já vem
fazendo estudos técnicos sobre o tema e pretende realizar audiências públicas
para receber contribuições da sociedade. Por enquanto, a Anac estabelece que é
permitida a cobrança de taxas de cancelamento e de remarcação de passagens,
conforme previsão no contrato de transporte.
Por
Superior Tribunal de Justiça
Fonte
JusBrasil Notícias