segunda-feira, 19 de agosto de 2024

ADVOGADOS DEVEM SABER LIDAR COM TRANSTORNO DE CLIENTES


Estatisticamente, pouco mais de 9% dos americanos adultos são diagnosticados com algum tipo de transtorno de personalidade — uma variedade do transtorno mental. Se o advogado enfrenta, vez ou outra, dificuldades “inexplicáveis” em seus relacionamentos com clientes, a explicação pode ser essa: um transtorno — do cliente ou dele mesmo (esperançosamente, não).
Para a advogada, psicoterapeuta e escritora Elizabeth Wittenberg, todos os profissionais precisam aprender a identificar e lidar com clientes com transtorno de personalidade. No caso dos advogados, porém, a situação é mais crítica: eles atraem mais pessoas com transtorno de personalidade, porque elas, naturalmente, precisam mais de seus serviços.
Autora do artigo “Seus clientes o estão enlouquecendo? Como evitar o drama com clientes enlouquecidos”, ela afirma que os advogados que entendem melhor o transtorno da personalidade conseguem administrar situações “enlouquecedoras” e proporcionar aos clientes uma representação mais eficaz.
O transtorno de personalidade, segundo a advogada-psicoterapeuta, “é um padrão persistente de comportamento e de experiência subjetiva que afeta os pensamentos, os sentimentos, os relacionamentos e a impetuosidade de uma pessoa”. O “paciente” de "TP" não percebe isso. “Normalmente, ele percebe seus padrões de comportamento como perfeitamente razoáveis e apropriados, a despeito dos impactos negativos, dramáticos, que causam em sua vida e nas vidas alheias.”
Uma pessoa com distúrbio de personalidade segue um “roteiro limitado de vida” e, normalmente, produz imagens “fixas, inflexíveis, inalteráveis” das pessoas, diz a advogada. Por exemplo, uma pessoa que já foi classificada por ela como “desqualificada” não conseguirá convencê-la de que dois mais dois é quatro.
O fato é que esse transtorno compromete seus relacionamentos com outras pessoas e, consequentemente, suas relações de trabalho e, no caso, com seus próprios representantes jurídicos. Há muitas explicações na internet para o transtorno da personalidade e suas derivações.
Lidar com clientes com TP significa problemas. Isso leva alguns advogados a se sentirem tentados a não representá-los. Porém, além das questões de discriminação, o transtorno de personalidade pode não ser perceptível no início da relação. Além disso, considerando que entre 9% e 10% da população adulta sofre transtornos de personalidade e que um grupo maior tende a demandar serviços jurídicos, a probabilidade de cada advogado ter de lidar com esses “pacientes” é muito alta, pelo menos vez ou outra.
A recomendação é que o profissional entenda o transtorno da personalidade e suas variações, aprenda a lidar com esse tipo de problema mental, para oferecer uma representação eficiente a seus clientes e torná-los felizes com seu trabalho e fiéis a você.

Conheça três tipos de transtornos:

Transtorno da Personalidade Narcisista
O “TPN” é uma perturbação que leva a pessoa a ter uma percepção excessiva de sua própria importância (termo encontrado na literatura médica), que é uma extrema preocupação consigo mesma e uma falta de empatia pelos outros. A autora diz que clientes com TPN são frequentemente cooperativos e envolventes, em um primeiro momento. Mas, mais tarde, começam a culpar alguém, a “dar coices”, quando surge um problema inesperado.
Ela diz que é muito difícil para uma pessoa com TPN assumir a responsabilidade por qualquer coisa. Ou mesmo admitir que tenha uma responsabilidade parcial no problema. E não aceita alegações de que tenha qualquer participação nele. “Clientes com TPN podem chutar o balde, sair do escritório batendo a porta, se você lhe disser que a culpa por qualquer resultado ruim, em parte, é dele”.

Recomendações da especialista:
Frequentemente, o “narcisista” esconde uma autoestima, extremamente baixa, sob a capa da autoimportância, que é reforçada pela aclamação das pessoas que admira. O advogado deve ajudar seu cliente narcisista a elevar sua autoestima, tratando-o com um certo excesso de cortesia e respeito.
Eles gostam de pensar que seu advogado é o melhor e que tem um alto status. Não o decepcione com modéstia. Permita a rasgação de seda, mas não sugira, de qualquer forma, que é melhor do que ele, em qualquer coisa que não jurídica. Reprima sua irritação diante de suas ostentações, bazófias e espertezas. Narcisistas precisam de aprovação. Um pouco de massagem em seu ego e seus objetivos da representação serão cumpridos naturalmente.
A parte mais complicada para um advogado é levar o cliente narcisista a fazer um acordo em disputas civis e, principalmente, nas criminais. Muitas vezes, é melhor para a resolução do caso que ele admita certa culpa ou certa responsabilidade. Mas isso não está em seus planos de vida. Pode ser interessante discutir uma “política de resultados”, que justifique certas concessões.
Jamais caia em qualquer armadilha, que o leve a se sentir desmoralizado, quando lidar com um cliente narcisista. Ele precisa criticar a qualidade de seu trabalho, para se sentir bem. Não se preocupe se seu cliente não reconhece seu bom trabalho. Você conhece, melhor do que ele, suas qualificações e sua eficiência.

Transtorno da Personalidade Antissocial
O “TPA” é uma condição de saúde mental, na qual a pessoa mantém um padrão, a longo prazo, de manipulação, exploração ou violação dos direitos dos outros. Isso é um comportamento mais comum na área criminal.
Pessoas com TPA ou com características desse transtorno frequentemente “visitam” o sistema judicial, diz a advogada. Geralmente, isso se explica pela inconformidade com as normas sociais ou mesmo com os ditames da lei. Mas não significa, em todos os casos, um comportamento criminoso.
“Figuras antissociais podem ser vistas na presidência de alguma grande corporação, no comando de uma grande organização, em um clube da alta sociedade ou na traseira de um camburão da polícia”, escreve a advogada. Elas sentem prazer em manipular, conscientemente, outras pessoas.
“Além de serem manipuladoras e enganadoras, são consistentemente irresponsáveis, não sentem remorsos por suas ações malignas e, frequentemente, são muito impulsivas. Às vezes, são indiferentes ao mal que causam a outras pessoas, às vezes racionalizam a maldade”, ela descreve.
As pessoas com TPA sentem necessidade de controlar os outros, para se sentir poderosas. Como os narcisistas, podem contar vantagem e negar responsabilidade pelos problemas dos outros, mas o fazem de uma maneira diferente. O cliente com TPA provavelmente contará vantagens sobre suas atividades ilegais, mas irá caracterizá-las como alguma coisa que todo o mundo faz. E mentem muito, assegura a advogada.

Recomendações da especialista:
Pode ser perigoso trabalhar com clientes com TPA. Por isso, o advogado deve se preocupar com sua segurança e com sua imagem de pessoa forte. Deve fazer reuniões com a participação de outras pessoas e usar uma abordagem direta, para mostrar força, não fraqueza. Deve ser rígido, no que se refere a expectativas, à apresentação de faturas e outros aspectos da representação. Qualquer acordo de pagamentos de honorários, que inclua certas facilidades e nenhuma garantia, será desrespeitado.
Para formar um relacionamento produtivo com um cliente antissocial, o advogado tem de entender a necessidade do “paciente” de manter o controle da situação. Coloque-se a sua disposição, mostrando que ele pode conseguir o que quer, se vocês trabalharem como um time. Ao discutir questões jurídicas, prefira se focar nas consequências, não nos aspectos puramente jurídicos ou morais.
Clientes antissociais vão lhe dizer o que pensam que você deve saber e, normalmente, omitem detalhes em seus argumentos. Esclareça os detalhes, sem desafiá-lo, para não despertar sua fúria.
Provavelmente, você se sentirá desconfortável com essa situação. Por isso, tenha paciência. Mas não se deixe intimidar ou ser enganado. É melhor assumir uma atitude cética, em relação a tudo o que ouvir (uma boa qualidade para todos os advogados, de qualquer forma). Assegure-se de negociar garantias de pagamento dos honorários.

Transtorno de Personalidade Limítrofe
A definição do "TPL" está na literatura médica e, às vezes, também é chamada de Transtorno de Personalidade Borderline (TPB). É um problema de saúde mental de pessoas que exibem padrões persistentes de emoções instáveis ou turbulentas. Essas experiências interiores frequentemente resultam em ações impulsivas e relacionamentos caóticos com os outros.
São casos de instabilidade emocional. A pessoa pode ser suicida ou se engajar em comportamentos autodestrutivos. “Clientes com TPL podem ser pessoas muito divertidas, fáceis de lidar, até que, de repente, não são mais”, diz a advogada. “O problema é que você pode não ter a mínima ideia de que o cliente sofre de TPL, até que ele “exploda” no escritório ou, pior, no tribunal. Então, o cliente “perfeito” se torna um problema.
Em matérias jurídicas, o TPL pode trazer descontrole emocional à representação. Clientes com TPL podem perder as estribeiras a qualquer momento e terminar o relacionamento. Entre as prováveis consequências estão ameaças de reclamações à Comissão de Ética da ordem e processos por má prática profissional, quando terminam o relacionamento com raiva.

Recomendações da especialista:
Mantenha a clareza, a consistência e a estrutura, para evitar o pior. Telefonemas regulares e troca de e-mails ajudam a acalmar clientes com TPL, que valorizam a atenção. Retorne qualquer comunicação prontamente, nem que seja apenas para confirmar recebimento e que irá examiná-la (ou qualquer outra coisa).
Representar um cliente com TPL é como andar em uma montanha russa. Resista às subidas e descidas, mantendo a calma em todas as horas. Clientes com TPL têm a mania incrível de desafiar o advogado a rejeitá-los. Entenda a situação, persevere, e cumpra o trabalho para o qual foi contratado da forma mais eficiente possível.
Por João Ozorio de Melo
Fonte Consultor Jurídico