O jovem Bossinha adorava a fama de menino levado que mantinha entre seus coleguinhas e professores. Por sua causa, ninguém mais brincava de “lâmpada mágica”, na escola. Fora dele a idéia de “escravizar” o Gênio, sempre pedindo “mais infinitos pedidos,” algo que tirou a graça da brincadeira, mas que gerou inveja entre os meninos e as meninas. Eles frustrados por não serem os autores da idéia brilhante; elas enfeitiçadas pela personalidade ousada e indomável do anti-herói.
Hoje, 15 anos depois, Bossinha é mais conhecido como Doutor Bossalino P. Dante, advogado.
Um dia, ao inventariar os despojos de uma massa falida, na qualidade de síndico, o Dr. Bossalino deparou-se com uma antiga lâmpada a óleo. Riu, relembrando as repetidas situações de sua infância em que brincara de “gênio da lâmpada”, e, instintivamente, esfregou o objeto. Foi quando um gênio materializou-se em sua frente:
– Concedo-vos três desejos, quaisquer que sejam, com apenas duas restrições: o livre arbítrio de ninguém poderá ser restringido, assim como vida alguma poderá ser retirada ou devolvida.
– Pois o que desejo são infinitos pedidos! – respondeu Dr. Bossalino, orgulhoso de sua esperteza.
O Gênio riu muito. Considerou ofensiva a pretensão do advogado. Esclareceu que a regra era clara e que se tratavam de apenas três pedidos. Por seu lado, Dr. Bossalino não se convencia. Entendia que a única restrição era o direito à vida e ao livre arbítrio. Assim sendo, não haveria vedação a que se fizesse infinitos pedidos.
A questão acabou no Judiciário. O Gênio estava tão convencido do seu direito que disse ser pela honra que aceitava qualquer que fosse a decisão da Justiça, afinal, num passe de mágica, poderia encerrar a questão, se quisesse. No recurso de apelação apreciado pelo TJ estadual, a sentença foi mantida na íntegra:
"A controvérsia deve ser resolvida a partir da hermenêutica. Assiste razão ao autor, segundo o critério literal de interpretação, o fato de que em matéria de contratos particulares, o que não é proibido é permitido. Entretanto, o Direito não se socorre de apenas uma modalidade interpretativa. Teleologicamente, ou seja, perquirindo-se a finalidade a que a cláusula se destina, observa-se que o contrato em exame é criado como uma forma de agradecimento ao ato de libertação de uma situação de cárcere. É inadmissível que um ato proposto em agradecimento a uma libertação se transformasse, em uma nova situação de aprisionamento. Soma-se a isso, o fato de a pretensão do autor afrontar o disposto no art. 113 do Código Civil Brasileiro, segundo o qual ´os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé´ ...”
O aresto lembrou que "no Direito Comparado, encontra-se o precedente do Sr. Aladim, onde o contratante teve direito a apenas três pedidos".
Julgada improcedente a ação, o autor foi condenado como litigante de má-fé, por usar o expediente processual para subjugar alguém à condição de escravo. Mas juiz e tribunal ressalvaram que "entretanto, o efeito da decisão é apenas o de invalidar a pretensão de infinitos pedidos, não eximindo o réu de atender aos demais pedidos do autor, que, corolário lógico, não poderão ser de infinitos pedidos"(...).
O efeito da decisão final foi devastador para o Dr. Bossalino, que verteu lágrimas. O Gênio, na condição de ser superior, comoveu-se com a cena. Compreendia, agora, o espírito juvenil do advogado. Por esta razão, e observando que ainda lhe devia pedidos, foi ao seu encontro e os dois tiveram uma conversa reconciliadora. Com um olhar humilde, Bossalino indagou:
– Quer dizer que, pela honra, você seria capaz de se submeter à condição de meu escravo?
– Exatamente. Neste caso, sim, pois a honra é a principal qualidade exigida para a posição de “gênio da lâmpada” - foi a resposta.
– Devo fazer um pedido, então? - Bossalino mantinha o olhar humilde.
– Por favor, meu amo... – disse sorridente o Gênio.
- Gostaria que minha ação fosse procedente.
Por Rafael Berthold