A
pessoa física que, embora tenha uma das doenças elencadas na Lei 7.713/88 como
prevista para isenção do imposto de renda, opte por não se aposentar, não tem
direito à isenção. Esse foi entendimento aplicado pela 2ª Turma do Superior
Tribunal de Justiça para negar o benefício a um portador de cardiopatia grave.
De
acordo com o relator ministro Castro Meira, a Lei 7.713/88 impõe a presença de
dois requisitos cumulativos para a isenção do imposto de renda: os rendimentos
sejam relativos a aposentadoria, pensão ou reforma; e que seja a pessoa física
portadora de uma das doenças referidas no artigo 6º, XIV.
“Enquadrando-se
nas condições legais, todo o rendimento é isento do tributo, sem qualquer
limitação. Por outro lado, não gozam de isenção os rendimentos decorrentes de
atividade, isto é, o contribuinte é portador de uma das moléstias, mas ainda
não se aposentou, como é o caso”, explica o ministro em seu voto.
De
acordo com os autos, um homem com cardiopatia grave requereu e obteve
aposentadoria por invalidez, mas esta foi cancelada, a seu pedido, porque optou
por continuar trabalhando. Ele alegou, porém, ter direito à isenção. Segundo o
autor, o artigo 111 do Código Tributário Nacional (CTN) não pode ser
interpretado literalmente, sob pena de ofensa ao princípio da isonomia
preconizado no artigo 150, II, da Constituição. O artigo 111 do CTN diz que
interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre outorga
de isenção. O autor da ação alega que o direito à isenção tem por causa
essencial a doença e não a aposentadoria.
Consultado,
o Ministério Público Federal opinou pela concessão da ordem, a fim de que
continue sendo assegurado ao recorrente a isenção obtida no momento em que
passou para a inatividade. Porém, para o ministro Castro Meira não é possível
apoiar o posicionamento do MP. “A lei é expressa ao referir-se à 'proventos de
aposentadoria' e, a seu turno, o artigo 111, II, do CTN dispõe que se
interpreta literalmente a legislação tributária que disponha sobre outorga de
isenção”, explica o relator.
A decisão:
RECURSO EM MANDADO DE
SEGURANÇA Nº 31.637 - CE (2010/0030412-1)
RELATOR : MINISTRO CASTRO
MEIRA
RECORRENTE : FRANCISCO
BEZERRA CAVALCANTE
ADVOGADO : SCHUBERT DE
FARIAS MACHADO E OUTRO(S)
RECORRIDO : ESTADO DO CEARÁ
PROCURADOR : MARIA JOSÉ
ROSSI JEREISSATI E OUTRO(S)
RELATÓRIO
EXMO. SR. MINISTRO CASTRO
MEIRA (Relator): O recurso em mandado de segurança foi interposto contra
acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Ceará assim ementado:
MANDADO DE SEGURANÇA.
SERVIDOR EM ATIVIDADE PORTADOR DE DOENÇA GRAVE. ISENÇÃO DO IMPOSTO SOBRE A
RENDA NOS TERMOS DO ART. 6º, INC. XIV, DA LEI 7.713/98; ART. 47 DA LEI
8.541/92; E ART. 30, § 2º DA LEI 9.250/95. PEDIDO INDEFERIDO
ADMINISTRATIVAMENTE PELO PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DESTE ESTADO.
ADEQUAÇÃO DO ATO. 1. A autoridade tida como coatora detém legitimidade para figurar
no pólo passivo do mandamus , à medida que foi a responsável por editar o ato
tido como violador do direito líquido e certo do impetrante. Questão de ordem
rejeitada. 2. A isenção pretendida é restrita aos portadores de moléstia grave
na inatividade. Precedentes do STJ. 3. Segurança denegada (e-STJ fl. 219).
O recorrente sustenta ter
direito à isenção do imposto de renda por ser portador de doença grave
mencionada na norma isentiva mesmo para aqueles que estejam em atividade. Alega
que o art. 111 do CTN não pode ser interpretado literalmente, sob pena de
ofensa ao princípio da isonomia preconizado no art. 150, II, da CF/88. Aduz que
o direito à isenção tem por causa essencial a doença e não a aposentadoria.
Requer a concessão da segurança, juntando parecer do Professor Hugo de Brito
Machado.
Ofertadas as contrarrazões
(e-STJ fls. 267-274), os autos subiram a esta Corte.
O Ministério Público
Federal opinou pela concessão da ordem, a fim de que continue sendo assegurado
ao recorrente a isenção obtida no momento em que passou para a inatividade, ou
seja, na data em que implementou todos os requisitos para obtenção do benefício
fiscal (e-STJ fls. 284-290). É o relatório.
EMENTA
TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE
RENDA. ISENÇÃO. ART. 6º, INCISO XIV, DA LEI 7.713/88. SERVIDOR EM ATIVIDADE QUE
RENUNCIOU À APOSENTADORIA. BENEFÍCIO FISCAL QUE SE INTERPRETA LITERALMENTE. 1.
A pessoa física que, embora seja portadora de uma das moléstias graves
elencadas, recebe rendimentos decorrentes de atividade, vale dizer, ainda não se
aposentou não faz jus à isenção prevista no art. 6º, XIV, da Lei 7.713/88 . 2.
Descabe a extensão do aludido benefício à situação que não se enquadre no texto
expresso da lei, conforme preconiza o art. 111, II, do CTN. 3. Recurso em
mandado de segurança não provido.
VOTO
EXMO. SR. MINISTRO CASTRO
MEIRA (Relator): O impetrante, ora recorrente, portador de cardiopatia grave,
requereu e obteve aposentadoria por invalidez, mas esta foi cancelada, a seu
pedido, porque optou por continuar trabalhando. Requer a isenção do imposto de
renda sobre os seus vencimentos, mesmo permanecendo em atividade laboral, em
razão da doença que lhe acomete.
É esta a dicção do
dispositivo legal em exame: Art. 6º Ficam isentos do imposto de renda os
seguinte rendimentos percebidos por pessoas físicas: (...) XIV – os proventos
de aposentadoria ou reforma motivada por acidente em serviço e os percebidos
pelos portadores de moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental,
esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia
irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson,
espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave, estados
avançados da doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação,
síndrome da imunodeficiência adquirida, com base em conclusão da medicina
especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria
ou reforma; (Redação dada pela Lei nº 11.052, de 2004)
A norma impõe a presença de
dois requisitos cumulativos para a isenção do imposto de renda: i) os
rendimentos sejam relativos a aposentadoria, pensão ou reforma; e ii) seja a
pessoa física portadora de uma das doenças referidas. Enquadrando-se nas
condições legais, todo o rendimento é isento do tributo, sem qualquer
limitação. Por outro lado, não gozam de isenção os rendimentos decorrentes de
atividade, isto é, o contribuinte é portador de uma das moléstias, mas ainda
não se aposentou, como é o caso dos autos.
Não há como sufragar o
posicionamento defendido pelo ilustre Subprocurador-Geral da República Moacir
Guimarães Morais Filho. A lei é expressa ao referir-se à "proventos de
aposentadoria" e, a seu turno, o art. 111, II, do CTN dispõe que se
interpreta literalmente a legislação tributária que disponha sobre outorga de
isenção. Como ensina Carlos Maximiliano (Hermenêutica e Aplicação do Direito ),
as normas de natureza fiscal "se aproximam das penais, quanto à exegese;
porque encerram prescrições de ordem pública, imperativas ou proibitivas, e
afetam o livre exercício dos direitos patrimoniais".
A Primeira Seção desta
Corte, diante o mesmo dispositivo legal específico, embora focalizando as
doenças elencadas no dispositivo legal, negou a pretensão do contribuinte por
considerar "interditada a interpretação das normas concessivas de isenção
de forma analógica ou extensiva, restando consolidado entendimento no sentido
de ser incabível interpretação extensiva do aludido benefício à situação que
não se enquadre no texto expresso da lei, em conformidade com o estatuído pelo
art. 111, II, do CTN".
Oportunamente, esta é a
ementa do julgado, submetido à sistemática dos recursos repetitivos:
TRIBUTÁRIO. RECURSO
ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. IMPOSTO DE RENDA.
ISENÇÃO. SERVIDOR PÚBLICO PORTADOR DE MOLÉSTIA GRAVE. ART. 6º DA LEI 7.713/88
COM ALTERAÇÕES POSTERIORES. ROL TAXATIVO. ART. 111 DO CTN. VEDAÇÃO À
INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA.
1. A concessão de isenções
reclama a edição de lei formal, no afã de verificar-se o cumprimento de todos
os requisitos estabelecidos para o gozo do favor fiscal.
2. O conteúdo normativo do
art. 6º, XIV, da Lei 7.713/88, com as alterações promovidas pela Lei
11.052/2004, é explícito em conceder o benefício fiscal em favor dos
aposentados portadores das seguintes moléstias graves: moléstia profissional,
tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna,
cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia
grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave,
hepatopatia grave, estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante),
contaminação por radiação, síndrome da imunodeficiência adquirida, com base em
conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída
depois da aposentadoria ou reforma. Por conseguinte, o rol contido no referido
dispositivo legal é taxativo (numerus clausus), vale dizer, restringe a
concessão de isenção às situações nele enumeradas.
3. Consectariamente,
revela-se interditada a interpretação das normas concessivas de isenção de
forma analógica ou extensiva, restando consolidado entendimento no sentido de
ser incabível interpretação extensiva do aludido benefício à situação que não
se enquadre no texto expresso da lei, em conformidade com o estatuído pelo art.
111, II, do CTN. (Precedente do STF: RE 233652 / DF - Relator(a): Min. MAURÍCIO
CORRÊA, Segunda Turma, DJ 18-10-2002. Precedentes do STJ: EDcl no AgRg no REsp
957.455/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/05/2010, DJe
09/06/2010; REsp 1187832/RJ, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado
em 06/05/2010, DJe 17/05/2010; REsp 1035266/PR, Rel. Ministra ELIANA CALMON,
SEGUNDA TURMA, julgado em 21/05/2009, DJe 04/06/2009; AR 4.071/CE, Rel.
Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 22/04/2009, DJe
18/05/2009; REsp 1007031/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA,
julgado em 12/02/2008, DJe 04/03/2009; REsp 819.747/CE, Rel. Ministro JOÃO
OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/06/2006, DJ 04/08/2006)
4. In casu, a recorrida é
portadora de distonia cervical (patologia neurológica incurável, de causa
desconhecida, que se caracteriza por dores e contrações musculares
involuntárias - fls. 178/179), sendo certo tratar-se de moléstia não encartada
no art. 6º, XIV, da Lei 7.713/88.
5. Recurso especial
provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ
08/2008 (REsp 1.116.620/BA, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em
9/8/2010, DJe 25/8/2010).
Guardadas as devidas
particularidades, cito ainda os seguintes precedentes:
TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE
RENDA. ISENÇÃO. PORTADOR DE MOLÉSTIA GRAVE EM ATIVIDADE. ART. 6º DA LEI
7.713/1988. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. IMPOSSIBILIDADE.
1. O art. 6º, XIV, da Lei
7.713/88 é claro ao isentar do Imposto de Renda os "proventos de
aposentadoria ou reforma" para os portadores de moléstias graves. 2.
Segundo a exegese do art. 111, inciso II, do CTN, a legislação tributária que
outorga a isenção deve ser interpretada literalmente. 3. Agravo Regimental não
provido (AgRg no REsp 1.208.632/SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda
Turma, julgado em 16/11/2010, DJe 4/2/2011); RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO.
LICENÇA PARA TRATAMENTO DE SAÚDE. ISENÇÃO. LEIS 7.713/88 E 8.541/92.
IMPOSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. ART. 111 DO CTN. 1. A inexistência
de lei específica que assegure a isenção de imposto de renda sobre proventos de
Licença para Tratamento de Saúde impossibilita a concessão de tal benefício.
2. As Leis nºs 7.713/88 e
8.541/92 tratam de hipóteses específicas de isenção, não abrangendo a situação
dos autos.
3. As normas instituidoras
de isenção, nos termos do art. 111 do CTN, por preverem exceções ao exercício
de competência tributária, estão sujeitas à regra de hermenêutica que determina
a interpretação restritiva em decorrência de sua natureza. Não prevista,
expressamente, pelas Leis nºs 10.637/2002 e 10.833/2003 a exclusão dos juros de
capital próprio da base de cálculo do PIS e da COFINS, incabível fazê-lo por
analogia. Precedente: REsp. 921.269/RS, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ
14/06/2007, p. 272.
4. Recurso especial não
provido (REsp 1.212.976/RS, minha relatoria, Segunda Turma, julgado em
09/11/2010, DJe 23/11/2010);
TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE
RENDA PESSOA FÍSICA. ISENÇÃO. ART. 6º, XIV, DA LEI N. 7.713/88. PORTADOR DE
PARALISIA INCAPACITANTE. MARCO INICIAL. DATA DA APOSENTADORIA. INTERPRETAÇÃO
RESTRITIVA CONFORME O ART. 111, II, DO CTN. PRECEDENTES.
1. No caso dos autos, o
recorrido, servidor público, foi acometido por paralisia incapacitante, que foi
constatada por perícia médica em 22.12.2002, tendo se aposentado em 15.9.2005.
O Tribunal a quo concedeu a isenção pleiteada retroagindo seus efeitos à data
da constatação da doença.
2. À vista do art. 111, II,
do CTN, a norma tributária concessiva de isenção deve ser interpretada
literalmente, sendo que, na hipótese, ao conceder a isenção do imposto de renda
a partir da data da comprovação da doença, a Corte a quo isentou a remuneração
do servidor, o que vai de encontro à interpretação do art. 6º, XIV, da Lei n.
7.713/88, que prevê que a isenção se dá sobre os proventos de aposentadoria e
não sobre a remuneração.
3. Recurso especial provido
(REsp 1.059.290/AL, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma,
julgado em 4/11/2008, DJe 1º/12/2008).
À falta de previsão legal
expressa dessa hipótese de exclusão do crédito tributário, o pleito não pode
ser acolhido. Por fim, nada há de inconstitucional na norma.
Além de ter supedâneo na Constituição
da República (art. 150, § 6º), inexiste isonomia entre a situação do
impetrante, que ainda se encontra em atividade, com as benesses do cargo de
Juiz de Direito, e os aposentados, tendo em vista que a finalidade do benefício
é diminuir o sacrifício dos definitivamente aposentados, aliviando-os dos
encargos financeiros. Ademais, a parte final do dispositivo legal ("mesmo
que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma")
busca tão somente afastar tratamento diferenciado entre os inativos.
Ante o exposto, nego
provimento ao recurso em mandado de segurança.
É como voto.
Por
Tadeu Rover
Fonte
Consultor Jurídico