A
busca para compreender o cérebro humano acaba de dar um passo importante. Um
estudo publicado na revista americana "Science" apresentou o primeiro
modelo computacional do cérebro capaz de simular comportamentos humanos
complexos, como realizar somas e completar séries de números.
Até
hoje, as simulações do cérebro se concentravam mais em replicar suas partes,
conexões e organização, dando pouca atenção a comportamentos e funções.
"Todos
sabem que o cérebro e o comportamento humano são complexos. Mas ninguém sabe
como a atividade do cérebro gera toda a variedade de comportamentos
observáveis", explicou à Folha Chris Eliasmith, líder da pesquisa.
"Outros
modelos do cérebro, apesar de complexos, não exibem nenhum comportamento. O
nosso é o primeiro que não só é complexo como também produz comportamentos
sofisticados."
O
modelo, produzido por cientistas da Universidade de Waterloo, no Canadá, e
batizado de Spaun, busca simular o cérebro computacionalmente, mimetizando os
detalhes fisiológicos de cada neurônio, os impulsos elétricos que fluem entre
eles e os neurotransmissores (os mensageiros químicos cerebrais).
Spaun
é formado por 2,5 milhões de neurônios virtuais organizados em subsistemas
conectados, comparáveis às diferentes áreas do cérebro. As tarefas são
realizadas por um braço virtual, modelado por uma série de equações para
simular massa, comprimento e resistência.
"Talvez
nunca saibamos como o cérebro realmente funciona. O modelo proposto procura
formular hipóteses sobre esse funcionamento fazendo a ligação entre o que
acontece no nível molecular e a geração de comportamentos complexos", diz
Fábio Godinho, neurocirurgião e doutor pelo Instituto de Neurociências de Lyon.
Demétrius Daffara/Editoria de Arte / Folhapress
As
tarefas variam de simples exercícios de percepção, como reconhecer uma letra,
passando por exercícios de memória, como recordar sequências de números, até
atividades cognitivas mais complexas, como adivinhar padrões numéricos que
fazem parte de testes básicos de QI.
Spaun
tem uma precisão quase humana em tais tarefas e reproduz alguns equívocos do
nosso comportamento, como a tendência de se lembrar mais do primeiro e do
último termo de uma série do que dos demais.
Eliasmith
disse que a equipe de seu laboratório não se surpreendeu com o fato de o modelo
conseguir realizar as tarefas propostas, "mas ficamos surpresos quando
características sutis, como os erros cometidos por ele, foram as mesmas de
seres humanos".
"O
trabalho é extraordinário", diz Godinho. "Envolve conhecimentos de
biologia, psicologia, neuroanatomia, neurofisiologia, matemática e
computação."
Apesar
disso, Spaun não tem a capacidade de aprender. Sua arquitetura é
suficientemente flexível para se adaptar a algumas situações, mas é incapaz de
aprender tarefas completamente novas.
"É
uma limitação importante. Todo o seu conhecimento é, por assim dizer,
inato", diz Godinho. "O modelo também é unissensorial, possui só a
visão, quando o nosso cérebro é multissensorial."
"Além
disso, o modelo é puramente cognitivo, não possui circuitos ligados a emoções,
que são importantes para gerar motivações."
MODELO VAI TESTAR HIPÓTESES SOBRE CÉREBRO IDOSO
O
modelo Spaun é uma importante plataforma de testes para hipóteses sobre como o
cérebro funciona.
"Spaun
nos ajudará a compreender melhor a relação entre mecanismos biológicos e
comportamento. Isso pode ser importante para entender o que acontece quando o
cérebro sofre lesões ou quando é influenciado por drogas", disse
Eliasmith.
"Se
destruirmos algumas partes do modelo, poderemos ver como o comportamento falha
nessa situação. Ou poderíamos mudar a forma como os neurotransmissores
funcionam e ver como isso se relaciona com o comportamento", acrescenta.
Os
pesquisadores já submeteram para publicação um novo artigo no qual destroem os
neurônios virtuais de Spaun na mesma taxa que afeta um cérebro idoso e
observaram o mesmo declínio cognitivo.
Por
Fernando Moraes
Fonte
Folha de S. Paulo