Documento agora tem até selo de autenticidade. Conheça alguns casos curiosos
Florear, enfeitar, exagerar. Existem muitos eufemismos usados para justificar um assunto que é bem mais sério — e comum — do que se imagina: as mentiras que são contadas nos currículos. Não importa a motivação, dizem consultores. O fato é que, quando a máscara cai, o resultado é muito constrangimento e danos irreversíveis à imagem do profissional.
— Além de depor contra a credibilidade da pessoa, a mentira revela baixa autoestima e insegurança, características muito malvistas no mercado. É importante que se tenha em mente que, em algum momento, a máscara cai: é só questão de tempo — destaca a coach de executivos Marie-Josette Brauer, doutora em filosofia e psicologia.
Para psicóloga, eles são inseguros ou narcisistas
Há situações tão graves que chegam a parecer roteiro de filme de ação. Como a contada por Simone Madrid, sócia da consultoria de recrutamento e seleção Teamwork Hunting. Ela acompanhou o caso de uma profissional que estava sendo contratada para executiva de contas em uma multinacional — com salário de R$ 7 mil — e havia mentido sobre todas as experiências profissionais anteriores, tanto em relação à responsabilidade dos respectivos cargos quanto ao tempo de casa.
— O diretor comercial descobriu as incongruências através do LinkedIn (rede social dedicada a empregos) da pessoa, pouco antes de contratá-la. Estava tudo diferente do que ela havia escrito no currículo e falado na entrevista — diz Simone, acrescentando que a profissional entrou na lista dos malvistos entre os consultores de RH da área. — A moça ainda disse que digitou errado, e que ia consertar, mas obviamente foi dispensada.
Segundo a psicóloga Andrea Calçada, há dois tipos de perfil de pessoas que incluem informações falsas em currículos. O primeiro grupo é de jovens profissionais com pouca experiência e pessoas inseguras e com baixa autoestima, que acreditam que necessitam dar um "upgrade" no currículo para serem aceitos. O segundo, pior, diz Andrea, é composto por pessoas com perfil altamente narcisista, com obsessão pelo poder e que acreditam que são tão boas no que fazem, que estão acima de "meras formalidades", como cursos universitários e experiências profissionais:
— Tem gente que mente compulsivamente. Para elas, mentir no currículo, então, é só a ponta do iceberg, porque suas vidas são baseadas em fantasias.
Entre os jovens profissionais, uma situação bem comum, segundo especialistas, são aqueles que dizem ter concluído a graduação quando, na verdade, ainda não terminaram a faculdade. Foi o que aconteceu na CEG, com um engenheiro que havia se saído muito bem na entrevista.
— Suspendemos o processo de contratação na hora, não só porque ele não era formado, mas também porque mentiu — conta Daniele Conrado, gerente de desenvolvimento de RH da CEG, acrescentando que esse tipo de atitude revela o caráter da pessoa, cuja imagem fica manchada.
‘Casos de imaturidade devem ser relevados’
Situação parecida aconteceu com uma empresa cliente da Yluminarh Desenvolvimento Profissional. A companhia optou por desclassificar um candidato a coordenador de TI, ao descobrir, no momento da contratação, que ele não tinha a graduação exigida. Havia trancado o curso há dez anos, embora tivesse boa experiência profissional.
— O diretor geral perdeu a confiança nele e decidiu não iniciar uma relação profissional baseada em inverdades — conta a sócia-diretora da Yluminarh, Ylana Miller.
O que é curioso, diz Flávio Porto, sócio da agência de comunicação Kindle, é que, mesmo ao serem descobertos, muitos profissionais que põem informações falsas nos currículos não admitem que mentiram:
— Costumam dizer que apenas exageraram. Muitos não compreendem a gravidade.
Para o sócio da agência de publicidade Loja Comunicação, Marcelo Giannini, porém, quando o profissional é recém-formado ou ainda está no nível de estágio, e realmente só amplia suas qualidades ou as funções que exerceu, lançando mão de muitos adjetivos, é possível contornar a situação:
— Já relevei casos assim, quando percebi que se tratava de imaturidade, não de má-fé. Mas adverti as pessoas, porque não pode ser assim.
A consultora Simone Madrid conta que acompanhou a história de uma candidata a gerente de trade marketing, que parecia ser a escolha perfeita: superarticulada, culta, inteligente e com vasta experiência em grandes corporações. A moça impressionou tanto os recrutadores que eles dispensaram os demais candidatos, contratando-a logo após a entrevista.
Candidata tida como ‘ideal’ tinha histórico de roubo
Mas os problemas começaram, explica Simone, na hora de apresentar a documentação: a profissional levou uma carteira de trabalho nova, sem nada escrito, e não tinha sequer um documento original de identidade. Questionada pelo RH da empresa, alegou ter sido roubada. Mas a companhia decidiu investigar e descobriu que, embora atuasse na área, ela usava três nomes diferentes e respondia a processos por ter roubado equipamentos de outras empresas.
Além disso, não havia passado o tempo que dizia em determinadas firmas, nem ocupado cargos tão bons. Ao perceber que fora desmascarada, fugiu, levando um laptop.
— Ela chegou a trabalhar 15 dias e enganou todo mundo nesse período. Ninguém conseguia acreditar no que estava acontecendo — diz Simone.
Por Isabel Kopschitz
Fonte O Globo Online