terça-feira, 2 de abril de 2024

MENTIRA NO CURRÍCULO TEM PERNA CURTA

Documento agora tem até selo de autenticidade. Conheça alguns casos curiosos

Florear, enfeitar, exagerar. Existem muitos eufemismos usados para justificar um assunto que é bem mais sério — e comum — do que se imagina: as mentiras que são contadas nos currículos. Não importa a motivação, dizem consultores. O fato é que, quando a máscara cai, o resultado é muito constrangimento e danos irreversíveis à imagem do profissional.
— Além de depor contra a credibilidade da pessoa, a mentira revela baixa autoestima e insegurança, características muito malvistas no mercado. É importante que se tenha em mente que, em algum momento, a máscara cai: é só questão de tempo — destaca a coach de executivos Marie-Josette Brauer, doutora em filosofia e psicologia.

Para psicóloga, eles são inseguros ou narcisistas
Há situações tão graves que chegam a parecer roteiro de filme de ação. Como a contada por Simone Madrid, sócia da consultoria de recrutamento e seleção Teamwork Hunting. Ela acompanhou o caso de uma profissional que estava sendo contratada para executiva de contas em uma multinacional — com salário de R$ 7 mil — e havia mentido sobre todas as experiências profissionais anteriores, tanto em relação à responsabilidade dos respectivos cargos quanto ao tempo de casa.
— O diretor comercial descobriu as incongruências através do LinkedIn (rede social dedicada a empregos) da pessoa, pouco antes de contratá-la. Estava tudo diferente do que ela havia escrito no currículo e falado na entrevista — diz Simone, acrescentando que a profissional entrou na lista dos malvistos entre os consultores de RH da área. — A moça ainda disse que digitou errado, e que ia consertar, mas obviamente foi dispensada.
Segundo a psicóloga Andrea Calçada, há dois tipos de perfil de pessoas que incluem informações falsas em currículos. O primeiro grupo é de jovens profissionais com pouca experiência e pessoas inseguras e com baixa autoestima, que acreditam que necessitam dar um "upgrade" no currículo para serem aceitos. O segundo, pior, diz Andrea, é composto por pessoas com perfil altamente narcisista, com obsessão pelo poder e que acreditam que são tão boas no que fazem, que estão acima de "meras formalidades", como cursos universitários e experiências profissionais:
— Tem gente que mente compulsivamente. Para elas, mentir no currículo, então, é só a ponta do iceberg, porque suas vidas são baseadas em fantasias.
Entre os jovens profissionais, uma situação bem comum, segundo especialistas, são aqueles que dizem ter concluído a graduação quando, na verdade, ainda não terminaram a faculdade. Foi o que aconteceu na CEG, com um engenheiro que havia se saído muito bem na entrevista.
— Suspendemos o processo de contratação na hora, não só porque ele não era formado, mas também porque mentiu — conta Daniele Conrado, gerente de desenvolvimento de RH da CEG, acrescentando que esse tipo de atitude revela o caráter da pessoa, cuja imagem fica manchada.

‘Casos de imaturidade devem ser relevados’
Situação parecida aconteceu com uma empresa cliente da Yluminarh Desenvolvimento Profissional. A companhia optou por desclassificar um candidato a coordenador de TI, ao descobrir, no momento da contratação, que ele não tinha a graduação exigida. Havia trancado o curso há dez anos, embora tivesse boa experiência profissional.
— O diretor geral perdeu a confiança nele e decidiu não iniciar uma relação profissional baseada em inverdades — conta a sócia-diretora da Yluminarh, Ylana Miller.
O que é curioso, diz Flávio Porto, sócio da agência de comunicação Kindle, é que, mesmo ao serem descobertos, muitos profissionais que põem informações falsas nos currículos não admitem que mentiram:
— Costumam dizer que apenas exageraram. Muitos não compreendem a gravidade.
Para o sócio da agência de publicidade Loja Comunicação, Marcelo Giannini, porém, quando o profissional é recém-formado ou ainda está no nível de estágio, e realmente só amplia suas qualidades ou as funções que exerceu, lançando mão de muitos adjetivos, é possível contornar a situação:
— Já relevei casos assim, quando percebi que se tratava de imaturidade, não de má-fé. Mas adverti as pessoas, porque não pode ser assim.
A consultora Simone Madrid conta que acompanhou a história de uma candidata a gerente de trade marketing, que parecia ser a escolha perfeita: superarticulada, culta, inteligente e com vasta experiência em grandes corporações. A moça impressionou tanto os recrutadores que eles dispensaram os demais candidatos, contratando-a logo após a entrevista.

Candidata tida como ‘ideal’ tinha histórico de roubo
Mas os problemas começaram, explica Simone, na hora de apresentar a documentação: a profissional levou uma carteira de trabalho nova, sem nada escrito, e não tinha sequer um documento original de identidade. Questionada pelo RH da empresa, alegou ter sido roubada. Mas a companhia decidiu investigar e descobriu que, embora atuasse na área, ela usava três nomes diferentes e respondia a processos por ter roubado equipamentos de outras empresas.
Além disso, não havia passado o tempo que dizia em determinadas firmas, nem ocupado cargos tão bons. Ao perceber que fora desmascarada, fugiu, levando um laptop.
— Ela chegou a trabalhar 15 dias e enganou todo mundo nesse período. Ninguém conseguia acreditar no que estava acontecendo — diz Simone.


Por Isabel Kopschitz
Fonte O Globo Online