A Lei Federal 12.441/2010 criou, no nosso ordenamento jurídico, uma nova modalidade de sociedade comercial e econômica, denominada EIRELI (Empresa Individual de Responsabilidade Limitada). Tem como objetivo adequar a legislação à realidade econômica do País, considerando a enorme quantidade de empresas constituídas com mais de um sócio apenas para cumprir exigência legal, quando, de fato, somente um deles realiza a atividade empresarial.
A EIRELI deve ser constituída por uma única pessoa, que será titular da totalidade do capital social da empresa. Além disso, o sócio único a constar do contrato social da empresa poderá figurar em apenas uma empresa desta modalidade, embora não exclua a possibilidade dele ser proprietário de quotas de outras modalidades societárias.
Essas novas regras têm gerado inúmeros questionamentos e discussões no campo do Direito Societário, assim como no âmbito do Direito Trabalhista e do Direito Tributário. No entanto, pouca importância tem se dado às repercussões da EIRELI no campo do Direito Penal, não obstante seu conhecimento seja essencial para que se evitem situações indesejadas na atividade da empresa, tornando-a mais segura e resguardada, além de proporcionar-lhe maior agilidade e lucratividade, prevenindo os desgastes naturais de uma persecução penal.
Isso porque, diferentemente da responsabilidade civil, trabalhista ou tributária — e exceção feita aos delitos ambientais — o Direito Penal prevê exclusivamente a responsabilidade pessoal e subjetiva pelo fato criminoso, ou seja, a responsabilidade penal por um crime recai exclusivamente sobre a pessoa que concorre — dolosa ou, quando há previsão, culposamente — para a realização de uma das circunstâncias delituosas.
Não são penalmente responsáveis as pessoas que não guardem vínculo psicológico com o fato criminoso, porquanto não fazem parte do chamado nexo causal, que corresponde à linha traçada entre a ação ou omissão de uma pessoa e o resultado tipificado como crime. Exclui-se, dessa forma, qualquer possibilidade de responsabilidade criminal pessoal objetiva do ordenamento jurídico brasileiro.
Não obstante isso, tentativas de obter a responsabilidade penal objetiva vêm sendo empreendidas pelo Ministério Público nas denominadas denúncias genéricas, em casos envolvendo os assim chamados “delitos societários” (crimes contra a ordem tributária, contra o sistema financeiro, contra a ordem econômica, contra as relações de consumo etc.).
Tais denúncias genéricas são elaboradas sem que mencione concretamente a atividade ilegal em que cada sócio ou administrador teria incorrido para a prática criminosa, bastando, para as embasar, tão somente, a condição formal que ocupam no contrato social ou no organograma da empresa.
A denúncia genérica vem, cada vez mais, sofrendo censura por parte dos nossos Tribunais, ante a evidente diminuição da possibilidade de defesa daquele que se vê acusado. Atualmente, ganhou força a recusa judicial a esta forma de imputação, entendendo que o Ministério Público deve, o quanto mais possível, descrever as condutas daqueles que concorreram para o ato criminoso, não importando o cargo ou posição formal que ocupem dentro da empresa.
No que se refere à EIRELI, nada se altera no ordenamento jurídico-penal em relação à responsabilidade penal subjetiva. Apesar dessa modalidade de empresa ser constituída por um único sócio, e não por dois ou mais, é preciso fazer prevalecer a responsabilidade subjetiva em relação a eventuais fatos criminosos ligados à sua administração.
Não bastará, para imputar o crime, a identificação de quem seja o sócio individual da EIRELI, assim como não será suficiente mera indicação de quem estiver investido no cargo de administrador da empresa. Serão necessárias outras evidências para embasar uma acusação criminal, as quais deverão ser apuradas no caso concreto pela polícia e pelo Ministério Público. Exemplificando: num caso de crime contra a ordem tributária, é preciso investigar quem é responsável pelas finanças, contabilidade e pagamentos de tributos da EIRELI — se o próprio sócio, se um administrador ou se até um eventual empregado contratado, ou mesmo se todo sem concurso —, verificando-se de que forma tal pessoa efetivamente contribuiu para a ocorrência criminosa.
Seja a sociedade constituída de um único sócio, seja ela constituída de dois ou mais sócios, o cuidado deve ser sempre o mesmo: a responsabilidade criminal terá que ser apurada levando-se em consideração a efetiva participação pessoal para o fato criminoso. Não se pode admitir sua atribuição automática ao sócio da EIRELI, tão somente, por ser ele a única pessoa que figura no contrato social da empresa, sob o risco de se incorrer na responsabilidade objetiva pelo crime, inadmissível em nosso sistema legal.
Por Leandro Sarcedo e Jonathan Ariel Raicher
Fonte Última Instância