Conhecer
as bases cerebrais do aprendizado, longe de ser outro lixo intelectual mediático
e episódico, parece ser um projeto pendente. E aqui começa o problema: o de
discernir até onde chegam as contribuições e onde começam os limites da
aprendizagem no cérebro humano.
“Los humanos hacen su propio
cerebro pero no saben que lo hacen.”
(CATHERINE MALABOU)
É
possível que o baixo índice de aprovação em concursos públicos seja um episódio
que não tenha a dimensão e a transcendência que parece. É possível. Também pode
ser o contrário: que por razões nada difíceis de imaginar muitas das instituições de ensino jurídico
(universitárias e extra-universitárias) de nossos dias já não se dedicam a
preparar os estudantes a pensar mais além das fronteiras traçadas por determinadas
ilusões paroquianas e provincianas, senão para conseguir, sem demora, a
gratificação “imediata” de um emprego ou cargo qualquer, isto é, para fazer-se
com umas aptidões que respondam melhor às necessidades de um mercado de
trabalho cada vez mais exigente e competitivo. Os estudantes são clientes aos
que há que gratificar com professores orientados ao serviço.
É
a denominada tirania do prático, uma sombria danse macabre cuja clave do êxito
alcança seu ápice através dos cursos preparatórios, dos cursos online e
telepresenciais, dos vídeos-aula, das retas finais, dos extensivos e
intensivos, das maratonas, etc., consumíveis por todos e a todas as idades, em
todo momento, em casa, fora de casa e à distância. Consequência: massivas doses
de lições enlatadas servidas com eficiência e assombrosa rapidez e estudantes
que se esforçam como robots por copiar tudo o que “ensina” o professor. Já não
temos que preocupar-nos com o fato de que nossos graduados olvidem os bons
conhecimentos jurídicos, porque provavelmente nunca chegarão a aprendê-los.
E
o que salta à vista, por mais que insistam em negá-lo grande parte das
instituições de ensino com responsabilidades na formação desses profissionais,
desde as universitárias até as extra-universitárias passando pelos que
efetivamente dispõem dos instrumentos para tanto (os docentes), é que, já faz
algum tempo, alcançamos sobre essa questão uma situação de stress, reprovável e
feia. Assim que deveria preocupar a atitude dessas instituições quando, ainda
diante do atual panorama, continuam a insistir em um modelo de educação e
formação que não trata de impedir um perfil de profissional propenso ao
automatismo, à memorização, ao descaso ou desconhecimento teórico, às
explicações ad hoc e, em determinadas ocasiões, carente de um mínimo sentido de
adequada preparação acerca das teorias e fundamentos que para o conhecimento do
Direito efetivamente importam.
Podemos
continuar fazendo o que fazemos quando se sabe que o sistema atual de ensino
jurídico é abertamente atentatório à atividade de ensinar a pensar e a formar
bom conhecimento? Podemos seguir priorizando um tipo de ensino cuja principal
finalidade consiste no encargo de informar, de maneira esteriotipada,
“mastigada” e massificada sobre “tudo” o que ao Direito concerne (quanto mais,
melhor)? Não, não cremos que podemos seguir como estamos; não podemos continuar
aprovando tudo isso com gesto bovino. Se pretendemos, professores e alunos, ser
realmente indivíduos comprometidos com um tipo de aprendizado interessante e
significativo, temos que atuar como tais.
Mas
um compromisso desse calibre requer, entre outras habilidades compartidas, um
esforço por admitir que quanto mais compreendermos o funcionamento do cérebro,
quanto mais saibamos acerca de nós mesmos, melhor estaremos preparados para
enfrentar os retos vitais impostos pelo processo de ensino e aprendizagem. Que
ajudará substancialmente a tarefa de ensinar e aprender uma adequada e séria
aquisição de informações ou noções básicas sobre o cérebro, sobre como aprende
o cérebro, que não é e nem funciona como um computador. É um órgão vivo
plástico, dinâmico, variável, projetivo, associativo, ativo e avaliativo de
maneira autônoma, uma estrutura extraordinariamente complexa feita de carne e
cultura, com suas sinapses, com determinismos genéticos e azares meio
ambientais, com processos eletroquímicos e físicos dos neurônios, e que às
vezes nos 'engana'.
Enfim,
aceitar a evidência de que, para bem ou para mal, se aprende com o cérebro e
que não é possível pensar sem utilizar o sistema neuronal do cérebro. Somos
seres neuronais e, como tal, não podemos pensar e aprender qualquer coisa,
senão unicamente o que nos permite nosso “cérebro encarnado”: nossa estrutura e funcionamento cerebral
limita, conforma e faz possível a forma e o tipo de aprendizado que somos
capazes de compreender e realizar (Lakoff, 2012). E nada disso exige
conhecimentos avançados sobre o cérebro; o único que se necessita para entender
como aprende em realidade o cérebro é uma mente analítica aberta e um esforço
por tornar-se um leitor informado.
Dizer
que não é necessário entender o cérebro para ser capaz de ensinar (e aprender),
é como afirmar que um médico não precisa entender o corpo para tratá-lo.
Afinal, que dúvida cabe de que as bases cerebrais resultam indispensáveis para
o aprendizado? Quem seria capaz de negar o fato de que todo e qualquer
aprendizado tem lugar de algum modo no cérebro? Um ser que carecesse de cérebro
não poderia ser ensinado e muito menos aprender. O aprendizado, como
experiência humana que é, há de ter uma base cerebral; e as estruturas que
servem de base a esta experiência, uma vez ativadas, sem dúvida a reproduzem.
Com esta afirmação não dizemos nada novo. Simplesmente constatamos que assim
ocorre em todas as experiências de que o ser humano é capaz. Se não possuísse
estruturas cerebrais capazes de dar lugar à experiência de aprender, esta
simplesmente não poderia produzir-se.
A
questão é, pois, saber como ativá-las adequadamente (mediante estímulos
apropriados) e, com essa intenção, evitar, a todo custo, um tipo de ensino que
implique exclusivamente em adestrar o indivíduo para que atue da forma que deseja
o professor, ainda que este se proponha com o adestramento lograr o que ele crê
que é “bom” ou “útil” para o aluno. Por quê? Porque educar significa
simplesmente ajudar a extrair o melhor de uma pessoa para que possa levar
adiante, desde sua autonomia, seu próprio estilo e ritmo de estudo, para
entender que cada cérebro é único, que não há uma técnica “universal” para
estudar, que o método correto (para estudar) é o que melhor se adapta aos
interesses, oportunidades, necessidades e recursos cognitivo-afetivos próprios
de cada pessoa e que as redes neuronais desenvolvem conexões diversas segundo a
decisão pessoal de cada sujeito, de acordo com o uso de sua liberdade
autotélica.
Neste
momento em que a investigação começa a abrir nossa “caixa misteriosa”,
constitui um ato de imperdoável imprudência afirmar que não tem nenhuma
implicação, negar e/ ou ignorar a conexão entre o desenvolvimento e organização
das áreas corticais do cérebro e os processos de ensino e aprendizagem.
Conhecer melhor as bases cerebrais do aprendizado, portanto, longe de ser outro
lixo intelectual mediático e episódico, parece ser um dos urgentes projetos
pendentes dos novos tempos. E aqui começa o problema: o de saber discernir até
donde chegam as contribuições positivas e onde começam os limites do que
sabemos hoje sobre como aprende o cérebro humano.
A
razão é simples: a denominada “neurocultura” está fazendo com que a cada dia
que passa apareçam novos “educadores” (“motivadores”, “turbinadores de cérebro”
e “expertos em” ou “super campeões de” concursos públicos) com mirabolantes
promessas de aniquilação de antigos flagelos relativos ao aprendizado, como a
desmotivação, a auto-estima, o poder da mente, a capacidade ou a perda de
memória, entre muitos outros. Todo um conjunto de promessas permeadas por uma
confusa miscelânea de verdades, semi-verdades e mentiras; promessas que,
fazendo bom uso do chamado “efeito guru” (Sperber), gritam para os mais
crédulos desde sensacionalistas livros, revistas, blogs, artigos, palestras...,
inspirados em e/ou manipulando uma prolífica fonte de mitos e distorcidas crenças
que normalmente vem intercalada com falsos matizes psicológicos e com
afirmações que contradizem frontalmente algumas evidências científicas.
Ninguém
duvida do fato de que as bases cerebrais resultam indispensáveis para o
aprendizado, que a causa mais direta ou imediata do aprendizado deve estar
arraigada em uma variação da função cerebral e que é necessário construir e
manter uma relação com nosso cérebro dirigida a ajudá-lo (ajudar-nos) a
desenvolver-se corretamente para o nosso próprio bem-estar. Tão pouco existem
dúvidas de que nos últimos anos os progressos neurocientíficos no conhecimento
do cérebro introduziram modificações profundas em noções fundamentais a
respeito da natureza humana, relativizaram algumas crenças, desmitificaram
dogmas e lançaram novas luzes sobre questões antigas acerca do comportamento
humano, da racionalidade, da consciência, da moralidade, do bem e do mal, do
livre-arbítrio, do aprendizado, da memória, das relações entre os indivíduos...
A lista seria muito larga. Pouco a pouco, o cérebro, motor do conhecimento e
fonte de todo comportamento humano, começa a compreender-se a si mesmo.
O
problema é que, em que pese o extraordinário de todos esses avanços, ainda
estamos no começo de semelhante processo, isto é, que só percorremos muito
pouco do longo caminho para uma compreensão fundamental do cérebro. A
investigação na área da neurociência está dando seus primeiros passos e novos
estudos refutam, com frequência, as mais recentes descobertas[1]. Nem sequer
sabemos como codificam a informação os neurônios; e isso é muito não saber.
(Churchland). Da mesma forma, parece que nos custa demasiado admitir, como
explica Linden, que sendo nosso cérebro o produto de um desenho acidental,
limitado pela evolução, é um “Kludge, um diseño a la vez ineficiente, falto de
elegancia e incomprensible que, sin embargo, funciona”.
Seja
como for, o certo é que não somente (ainda) resulta muito difícil especificar
relações diretas entre os descobrimentos das neurociências e os diferentes
aspectos da estrutura e funcionamento do cérebro, senão que também é necessário
atuar com muita cautela quando um salto técnico assim permite levar a cabo
análises e detecções impossíveis com anterioridade. Consequentemente é um
equívoco pensar que há algo de especial e exclusivo nas afirmações que utilizam
temas como “turbinar” o cérebro, o poder da mente, o aprendizado, a
inteligência, a memória, a motivação, etc., para vender-nos conselhos ou
técnicas de estudo poucas vezes fundamentados cientificamente.
Por
exemplo, entendemos perfeitamente que estar motivado é fundamental para
alcançar o logro em qualquer campo de atividade. Mas dizer que é necessário
motivação não é muito dizer. Teríamos, primeiro, que voltar ao ensino
personalizado: quem teria que ser um gênio compassivo e atencioso, ademais de
psicólogo intuitivo e hiperativo (no bom sentido do termo), seria o professor.
Mas colocar-se na pele de tantos alunos e em suas mentes para encontrar o que é
o que motiva a cada um e saber como explorar suas qualidades e habilidades
individuais (inatas e adquiridas) de forma ótima parece ser, sem dúvida, uma
tarefa completamente estranha à forma de ensino, massificado, distante,
“democratizado”, desvinculado e despersonalizado a que estamos acostumados[2].
Ademais
- e sempre insistimos neste aspecto -, o bom conhecimento gerado por um
aprendizado significativo é um logro, uma atividade ou tarefa na qual, além de
constante prática, o indivíduo há de estar presente e de experimentá-la
(ativamente) em primeira pessoa. Não assistimos
a cursos sobre como andar ou como falar; simplesmente o intentamos uma e outra
vez. Um bom pai nos ajuda ao longo deste processo. Não lemos ou não nos
limitamos a atender aos conselhos dos demais sobre como se toca o violino nem
pensamos em como se joga ao futebol. Praticamos e um bom treinador (compassivo,
comprometido e entregado) simplesmente nos ajuda a melhorar.
Somente
por meio da experiência concreta de estudar, focando nossa atenção e praticando
de forma repetida que, com o tempo e a constância, os conhecimentos adquiridos
vão modelando nossas estruturas
cerebrais (nossas redes neuronais) sem dar-nos conta nem quando nem como, mas
que resultarão em novas exigências para o pensamento e em novas maneiras de
organizar nossas idéias (uma vez que se estabelecem novas conexões entre os
neurônios implicados). Um tipo de conhecimento que convertemos em familiares,
que adquire seu sentido ao longo de um incessante e ativo processo de
aprendizagem.
Assim
que a pergunta sobre “o que fazer com nosso cérebro?” não é uma pergunta
reservada aos “motivadores”, aos “turbinadores”, aos educadores e aos
cientistas; é uma pergunta para todos e que tem por finalidade fazer surgir em
todos nós o sentido de uma comprometida e iniludível responsabilidade pessoal
por nosso próprio aprendizado. Se o cérebro é uma “obra”, nós somos seu
sujeito, autor e resultado ao mesmo tempo. Um tipo de compromisso que implica
aceitar conscientemente o fato de que nosso papel no processo de aprendizagem é
o de dar-se conta e reconhecer que embora seja com o cérebro, e só com ele, que
aprendemos, nossa capacidade para aprender (e memorizar) não é somente um
produto da cognição e emoção que emergem de nosso cérebro, senão também de
respostas que damos às exigências culturais e de nossas experiências pessoais e
interpessoais.
Do
que resulta, afortunadamente, que há boas razões para ser otimistas e, com
muito trabalho, esforço pessoal, estóica resistência e entusiasmada
determinação, dedicar-nos a “hacer nuestro próprio cerebro” (que é nossa obra),
a lançar-nos ao “desafio plástico” e configurar, com autonomia, nossa própria e
singular capacidade para aprender e recordar. Referimo-nos aqui – de forma
muito simplificada - à inata capacidade do cérebro para aprender e, portanto,
para cambiar-se a si mesmo, a que se denomina neuroplasticidade. Em contra do
que postula o mito do cérebro imutável, uma das melhores contribuições das
neurociências consiste em haver descoberto que o cérebro muda de uma maneira
real e física em resposta a cada experiência, a cada novo pensamento e,
principalmente, a cada novo conhecimento aprendido ou habilidade adquirida.
Isso
implica que podemos cultivar nosso cérebro, que gozamos da capacidade de
adaptar-nos a novas circunstâncias e de adquirir informação até a etapa final
da vida (ainda que essa capacidade diminua com a idade). E mais: a plasticidade
do cérebro depende do quanto se usa e em que sentido, com o qual trabalhá-lo
não somente é possível, senão também recomendável. E uma vez que os mecanismos
de aprendizagem e memória são os que fazem que tal coisa ocorra, pode-se dizer
que as estruturas do cérebro tornam possível o aprendizado e, ao mesmo tempo,
que o aprendizado modifica essas estruturas e também seu funcionamento.
O
que significa que em questão de aquisição de sólidos conhecimentos o cérebro se
fortalece principalmente durante e mediante o aprendizado contínuo, que quanto
mais se exercita a mente com estudo e aprendizado, mais células cerebrais e
mais comunicações (conexões sinápticas) entre elas se desenvolverão. Aprender é
um processo de construção de redes ou conexões sinápticas; recordar é manter ou
fortalecer essas conexões. Portanto, da próxima vez que o leitor estiver
estudando, poderá imaginar que seu cérebro está estabelecendo novas conexões à
medida que se enfrenta ao desafio, se concentra no que está aprendendo e estuda
com atenção. E ao final de cada dia de estudo mentalmente ativo e atento,
poderá ter a certeza de que estará com um cérebro cujos neurônios estão
conectados de forma ligeiramente distinta a como o estavam quando se despertou
pela manhã.
Daí
que não há que descuidar-se do fato de que embora a atenção seja o recurso mais
escasso da mente, é o umbral para absorver o que estudamos: somos e aprendemos
aquilo que nos interessa. Estar atento significa simplesmente ter controle
sobre a atenção: poder colocá-la donde se deseja e deixá-la ali fixa, até que
nos decidimos dedicá-la a outra coisa. A atenção voluntária e focada é a única
atividade que nos permite aprender de forma segura, sólida e duradoura, e
constitui o ingrediente clave para um bom rendimento. Quando a atenção está
fixa, também o está nossa mente: não se encontra distraída nem sequestrada por
qualquer coisa que lhe chegue à consciência, senão estável, assentada e imperturbável.
A
atividade consciente produz a atenção, e a atenção está relacionada com a
plasticidade cerebral. Quando nos concentramos, é a atenção que nos permite
alterar literalmente a mente e o cérebro em relação com a nova informação. E
ainda que diferentes o perfil pessoal relacionado com a capacidade de atenção,
empenhar-se em desenvolver um maior controle sobre a atenção quiçá seja a
maneira mais poderosa de adquirir um determinado conhecimento, consolidá-lo e
armazená-lo em nosso cérebro, para poder utilizá-lo no momento em que o
necessitarmos.
Por
outro lado, e não menos importante, é entender que somente a prática constante
transforma o aprendizado em algo sólido. Se aprendemos mediante associação,
memorizamos mediante a repetição. Quando centramos toda nossa atenção no que
estamos estudando e o praticamos de forma repetida, persistente e com um
esforço ascético, interiorizamos os novos conhecimentos e começamos a
convertê-los em familiares. A repetição contínua, elemento essencial da prática,
aperfeiçoa a memória do conhecimento correspondente, de modo que ao final se
pode obter uma excelência que transmite a profunda satisfação pessoal e a
confiança nas próprias capacidades e possibilidades intelectuais. Quer dizer,
nada distinto da sentença de Aristóteles de que “a excelência não é um ato,
senão um hábito” que devemos utilizar e aperfeiçoar dia a dia para servir a
algo que cremos que vai mais além de nós mesmos.
Estas
são, apenas, algumas das orientações básicas extraídas do que já sabemos sobre
como aprende o cérebro. Mas, transformadas em ações diárias, em hábito ou
prática virtuosa, se acumulam com o tempo e acabam provocando grandes
diferenças no modo e nos métodos que elegemos para alcançar desempenhar um
papel essencial, ativo, comprometido e carregado de responsabilidade sobre
nosso próprio aprendizado. O potencial para aprender habilidades novas e para
melhorar as que já temos é amplo, e seguramente dispomos das condições
necessárias para aproveitá-lo e desenvolvê-lo. Contudo, isso requer, de mais
está dizer, que pensemos claramente sobre nossa própria experiência (única e
intransferível), que questionemos nossas suposições, que saibamos distinguir o
que sabemos bem do que só cremos saber que seja certo e, o mais importante, que
desafiemos a todo aquele que se dedique a predicar discursos supérfluos sobre o
cérebro[3]. Em suma: há que decifrar-se, cultivar-se, palpar os próprios
limites, questionar tudo e fazer da experiência vivida de estudar/prender o que
ninguém tenha feito antes.
Por
último, diremos que não temos nenhuma dúvida de que, a longo prazo, as ciências do cérebro e da mente, com seus
instigantes, extremamente inovadores e em certa medida distantes e
perturbadores descobrimentos, nos brindarão relevantes e esclarecedoras
respostas ao “problema” do processo de aprendizagem e trarão consigo a promessa
de cruciais aplicações práticas no âmbito da educação. Por outro lado, também
diremos que parece-nos insensato esperar até que toda a investigação esteja
concluída e ter a “certeza absoluta” de como funciona o cérebro para começar a
operar com o que já sabemos acerca de
“como aprendemos”. Nossa compreensão atual, embora parcial e revisável,
do modo como funcionam determinados mecanismos cognitivos e emocionais de
aprendizagem já nos capacita, desde agora, a delinear e aplicar algumas
estratégias compatíveis com o modo como o cérebro aprende melhor.
Mas
sempre com uma condição: que em um terreno tão delicado como o da investigação
neurocientífica haverá de tomá-los em conta com muita seriedade e prudência,
porque, às vezes, o que “nos mete em problemas não são as coisas que ignoramos;
são as coisas que sabemos e não são assim” (Artemus Ward). E aqui vai um
conselho: embora cada pessoa ajuste sua visão do mundo e da vida à medida de
seus desejos, cuidado com os indivíduos que carecem de “ouvido” para as coisas
da ciência, porque a mais cega subjetividade é o “critério de verdade”: dado
que o sinto assim, assim é; marca de fábrica do pensamento infantil.
O
que queremos dizer é que, pelo menos diante das atuais limitações e carências
da investigação neurobiológica, parece de todo razoável evitar deixar-se
seduzir pelas licenças poéticas ou pelo uso abusivo e charlatão de quimeras
acerca do poder da mente, da capacidade do cérebro para aprender e memorizar,
do controle motivacional, etc., sob pena de corrermos o risco de perder-nos nos
desvarios de uma mente vagabunda ou de extraviar-nos em uma selva de falsas
idéias.
Da
mesma forma como a religião condena aos humanos a uma minoria de idade
permanente, assim também muitos dos grandes mitos sobre “como aprende o
cérebro” não somente podem fazer-nos perceber como irrefutavelmente reais as
mais disparatadas e nauseabundas fábulas sobre nosso cérebro, senão que também
podem levar-nos a tomar decisões poucos acertadas em nossa vida cotidiana de
estudantes. Neste preciso momento, basta com saber que já contamos com um
cérebro/ente com todo o imprescindível para desenvolver nossa capacidade de
aprender e memorizar o que necessitamos e, dessa forma, aprovarmos em qualquer
concurso público. Só falta que dediquemos tempo e esforço para usar
adequadamente esse poder, para atuar livremente e “fazer nosso próprio cérebro”.
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Notas
[1] Tudo isso, diga-se de passagem, dentro de uma
perspectiva evolucionista que intenta investigar os antecedentes do cérebro
humano no passado evolutivo da espécie seguindo as contribuições da
neurobiologia, da biologia evolutiva, da antropologia evolutiva, da psicologia
evolucionista, da etologia,... enfim, das ciências que buscam entender em que
consiste a natureza humana.
[2] Aliás, neste particular, bastaria com recordar
a Madre Teresa: “Si miro a la masa, nunca haré nada. Si miro a una persona,
actuaré”.
[3] Aos que Chabris e Simons denominam
“neurocháchara” ou “porno cerebral”: um conjunto de idéias “que pueden
inducirnos a pensar que hemos aprendido sobre el cerebro más de lo que en
realidad lo hicimos, [...] y que pueden servir más como una herramienta de
ventas para su ´ciencia´ que como
verdadero instrumento cognitivo”.
Por
Atahualpa Fernandez e Marly Fernandez
Fonte
Jus Navigandi