Todos os anos, as faculdades de Direito colocam milhares de bacharéis no mercado, alguns deles com grande conhecimento da lei, mas sem qualquer treino para a prática da advocacia. "Eles sequer pensam como advogados. E sequer têm o bom senso de não insistir em um argumento perdedor", diz o advogado e professor de Direito Jim McElhaney, que escreve sobre estratégias de defesa em tribunal do júri para o Jornal da ABA (American Bar Association, a ordem dos advogados dos EUA) há 25 anos. "As escolas não ensinam os futuros advogados que, muitas vezes, é melhor ficar de boca fechada", diz.
McElhaney conta que um juiz "rabugento", seu velho amigo, lhe contou dois casos recentes para corroborar essas observações. Em um deles, o advogado de acusação apresentou, como evidência demonstrativa, fotos de uma locomotiva que atingiu o carro de seu cliente. O advogado de defesa da empresa ferroviária declarou imediatamente sua objeção, dizendo que fotos nem sempre são as melhores evidências. E insistiu no argumento a ponto de irritar o juiz: "O que você quer? Que ele traga a locomotiva de verdade aqui para dentro do tribunal?", perguntou. "Ele poderia, pelo menos, ter dado um sorriso sutil e malicioso, quando tentou desqualificar a evidência", comentou o juiz.
Em outro caso que contou a McElhaney, o juiz "rabugento" reclamou de advogados que insistem em argumentos que sequer fazem sentido juridicamente. Em um julgamento recente, em Washington, D.C., um sindicato queria mostrar alguns problemas que os trabalhadores estavam enfrentando em uma fábrica. Mas, em vez de chamar os trabalhadores para testemunhar, o advogado chamou um dirigente do sindicato, que havia ido à fábrica e entrevistado alguns trabalhadores. Quando o advogado perguntou ao dirigente o que os trabalhadores haviam contado, o advogado de defesa objetou: "hearsay" (testemunho em segunda mão de alguém que ouviu dizer). Em vez de se conformar com a intervenção apropriada da defesa e partir para outro argumento, ele insistiu: "não é um testemunho em segunda mão, meritíssimo, ele mesmo ouviu os trabalhadores".
Argumentos autodestrutivos
O problema maior de insistir em argumentos perdedores ou em tentativas estratégicas desmontadas pela outra parte é que isso mina a credibilidade do advogado. E, daí para a frente, fica mais difícil para ele convencer o juiz ou os jurados. "Uma regra básica da advocacia é: nunca apresente um argumento que não possa ser enunciado com uma expressão séria no rosto (mesmo que a vontade, por dentro, seja a de rir)", diz McElhaney.
Não é suficiente que a argumentação faça sentido jurídico. Ela tem de ser plausível sob os aspectos factual e emocional. De outra forma, será uma argumentação perdedora, que pode por o caso a perder. Existem cinco atitudes que, mais do que outras, são altamente perigosas, porque destroem a credibilidade dos advogados e corroem o caso. São elas:
1) Insistir em argumentos perdedores;
2) Exagerar na apresentação dos fatos a seu favor;
3) Tentar esconder ou dissimular fatos que não lhe sejam favoráveis;
4) Enunciar a lei erradamente e
5) Ignorar questões importantes.
McElhaney explica: Exagere na apresentação dos fatos e vai parecer que nem mesmo você acredita em seu caso; Tente esconder ou dissimular fatos e vai parecer que você pensa que eles podem destruir o seu caso; Enuncie a lei erradamente e o juiz vai chegar à conclusão de que não pode confiar em seus argumentos; Ignore questões importantes e vai transmitir a ideia de que não é possível contar com você para encontrar as melhores respostas; Insista em argumentos perdedores e você se torna um suspeito no julgamento, o que vai prejudicar todos os outros argumento que apresentar.
"Sua credibilidade é o fator mais importante em qualquer julgamento", diz McElhaney. "Cada fato que você quer provar, todas as declarações que for apresentar, tudo que fizer para defender seu caso depende de sua credibilidade e, por isso, você deve reafirmá-la, não destruí-la", afirma. Outro problema é apresentar uma quantidade muito grande de argumentos, em que a maioria deles possa ser considerada frívola. Argumentos frívolos e repetitivos podem obscurecer os bons argumentos e prejudicar todo o caso, especialmente em tribunais de recurso.
"Ideias brilhantes"
Grandes advogados também apresentam argumentos bobos em um tribunal, vez ou outra — a maioria porque não resiste à tentação de explorar um grande ideia, que estourou de repente, no calor dos debates. "A inspiração repentina pode ser uma perigosa armadilha", diz McElhaney. "Uma ideia brilhante, que ocorre no meio da noite, pode se revelar um total desatino em frente ao júri, no dia seguinte", afirma. Melhor testar a grande argumentação em frente ao espelho e em voz alta ou perante auxiliares jurídicos e a secretária no escritório, pela manhã.
Mais perigoso que isso, só a ideia brilhante que surge em pleno julgamento. "Não há tempo para testá-la, você sabe que deveria evitá-la, mas ela parece tão atraente que se torna irresistível", diz o professor. A brilhante advogada Jo Ann Harris, de Nova York, caiu nessa tentação. Ela estava defendendo uma mulher acusada de matar o marido com uma faca de cozinha. Toda a defesa, desde o princípio, se baseava na tese das emoções e ações que tornam o homicídio culposo, em vez de doloso. Mas, quando um perito médico informou o tribunal que seria necessária uma quantia deliberada de força para enfiar a faca por mais de 15 centímetros no corpo, ela tentou obter dele, na inquirição da testemunha, uma confirmação de que ela poderia ter caído sobre a faca que, então, penetrara acidentalmente no corpo da vítima.
Quando ela olhou para o juiz e para os jurados, percebeu que todos estavam atônitos diante da guinada que ela deu em sua tese, de instabilidade emocional para acidente, no meio do julgamento. A advogada percebeu que teria de recuperar sua credibilidade. Deixar as coisas como estavam não seria o suficiente. Em suas declarações finais, ela explicou então que a defesa sustentava a tese do homicídio culposo e que ela não estava, de modo algum, alegando que a morte fora acidental. Nessas circunstâncias, disse, a única relevância da possibilidade de ela haver caído sobre a faca era demonstrar que uma quantidade pequena de força — nada sobre-humano — seria suficiente para fazer a faca penetrar no corpo da vítima.
Por João Ozorio de Melo
Fonte Consultor Jurídico