Advogado diz que proposta fechada entre o Ministério Público e as incorporadoras prevê uma indenização menor do que a que vinha sendo obtida por consumidores na Justiça
Prédio em construção: termos fixados em acordo reduzem chances de consumidor receber uma indenização proporcional ao dano em caso de atrasos na obra
O termo de ajustamento de conduta assinado pelo Secovi (o sindicato da habitação) para fixar os termos de indenização dos consumidores que recebam as chaves de um imóvel comprado na planta fora do prazo estabelecido em contrato é um retrocesso, segundo o advogado Marcelo Tapai, especializado em temas imobiliários.
O acordo firmado entre o Secovi e o Ministério Público de São Paulo no mês passado estabeleceu que a indenização-padrão que deveria ser paga aos compradores de imóveis nesses casos seria equivalente a uma multa de 2% do valor já pago acrescido de 0,5% ao mês.
Tapai diz que esses percentuais são prejudiciais ao consumidor porque a Justiça vinha garantindo uma indenização de 0,8% ao mês sobre o valor total do imóvel. Como dificilmente alguém paga mais de 30% do valor da propriedade antes da entrega das chaves, essa diferença da base de cálculo do valor da multa acaba fazendo toda a diferença.
Imagine, por exemplo, um imóvel de 1 milhão de reais. O comprador que não recebesse o imóvel no prazo teria o direito de ganhar 8.000 reais por mês de atraso se reclamasse seus direitos na Justiça e fosse atendido. O dinheiro seria mais do que suficiente para que o cliente pudesse pagar um aluguel de um imóvel semelhante ao que não lhe foi entregue no período.
Com a nova proposta do Ministério Público, entretanto, o consumidor que tenha desembolsado apenas 30% do valor do imóvel até a entrega das chaves teria direito a uma multa de 6.000 reais mais 1.500 reais por mês de atraso. Com os atuais valores de aluguel cobrados em São Paulo, é praticamente certo que o dinheiro não será suficiente para a locação de um imóvel de qualidade semelhante ao que foi comprado para atrasos de seis meses ou mais.
“Várias incorporadoras já estipulavam nos contratos assinados com os compradores termos mais favoráveis que os do atual termo para a indenização de clientes”, diz Tapai. “É por isso não acho que o consumidor tem o que comemorar com esse acordo.”
O advogado também alerta que o termo de ajustamento de conduta ajudou a validar uma prática bastante comum das incorporadoras, que é a de indenizar os consumidores apenas para atrasos superiores a 180 dias na entrega dos imóveis.
Esse prazo de tolerância é estipulado na imensa maioria dos contratos imobiliários, mas pode ser questionado na Justiça com chances de vitória. O acordo firmado entre Secovi e Ministério Público, no entanto, só prevê pagamento de multa após os seis meses.
O termo de ajustamento de conduta não tem força de lei e nenhuma incorporadora pode ser obrigada a cumpri-lo. O acordo, entretanto, serve para balizar os procedimentos que serão adotados por dezenas de empresas paulistas em relação ao atraso de obras e a indenização dos consumidores.
Atrasos na entrega das chaves são cada vez mais comuns no estado de São Paulo. O boom imobiliário não foi acompanhado pelo aumento da oferta de mão de obra, equipamentos e materiais de construção. Além disso, os últimos verões foram mais chuvosos que a média e também contribuíram para adiar a conclusão de centenas de edifícios.
Por João Sandrini
Fonte Exame.com