Houve época em que a concorrência entre as empresas aéreas focava a qualidade dos serviços prestados. Nos tempos atuais, a competição voltada apenas para o preço trouxe inovações que tornaram desagradável o momento de voar. O prazer de viajar de avião não existe mais.
Azul é a única que ainda oferece diferenciação de classes em seus aviões. Voar sempre era um momento de prazer. Sou do tempo em que quatro empresas disputavam os passageiros, atuando com qualidade. Na época, éramos tratados como clientes, não apenas nas palavras. É certo que alguns procedimentos eram antiquados, mas dava prazer em voar.
Não havia congestionamentos nos check-ins nem superlotação nas salas de embarque, e o conforto a bordo era o objetivo da concorrência.
Éramos, realmente, bem tratados. O foco era a qualidade dos serviços prestados.
Os defensores dos tempos atuais, adeptos da concorrência focada nos preços, podem afirmar que as quatro empresas quebraram, mas temos a convicção de que o desaparecimento delas não se deveu à excelência dos serviços prestados. É preciso afirmar que nem todas quebraram. Há a que foi quebrada pelo governo populista em manobra não bem explicada.
Diga-se também que enquanto algumas saíam do cenário outras ingressavam com um serviço mais qualitativo. A TAM, que contribuiu para o desaparecimento de uma transportadora, recebia os seus usuários em salas de embarque ao som de um bom piano e com um serviço de buffet adequado. Voar nos seus aviões, ao término de uma jornada de trabalho, era reconfortante. Um bom uísque, canapés bem preparados, pessoal de cabine educado e gentil. Nos voos matinais, o serviço de desjejum era admirável. Era realmente um prazer voar numa empresa genuinamente brasileira.
As mudanças começaram a ser sentidas na segunda metade da década de 1990. Administrada por um empresário oriundo do segmento de transporte rodoviário, a Vasp foi a inovadora na redução do espaçamento entre as poltronas (pitch). Voar com conforto nos antigos Boeing’s só era possível para os passageiros de baixa estatura.
Em 2001, mais um empresário do ramo de transporte rodoviário ingressou no transporte aéreo. Era uma empresa nova (leia-se GOL), com aeronaves novas. Ele introduziu o conceito do baixo custo, baixa tarifa, novidade já existente no exterior. Com ela, mais um item de conforto foi subtraído dos passageiros. Nos primeiros momentos, praticando a política de baixo custo e baixo preço, assustou a concorrência.
Longas filas nos check-ins e salas de embarque abarrotadas minaram o prazer de voar.
A sua principal concorrente aboliu todas as práticas de cativar os usuários pela qualidade e se afastou de seu projeto original. Ainda bem que descobriu a tempo que aquele não era o seu jeito de voar. A TAM logo percebeu que a política trazida pela GOL já não era verdadeira.
Na esteira da GOL vieram outras empresas, cada uma trazendo suas inovações. A Webjet que sofreu com a concorrência das duas maiores transportadoras em sua última volta ao mercado, radicalizou. Pratica uma política de preços que flutua amplamente ao sabor da demanda. Os preços variam numa gama tão ampla que é até difícil entender a sua política. Para atender essa variada política de preços, resolveu inovar. O serviço seria pago. Um negócio sem nexo em nosso mercado de transporte aéreo.
Outras inovações que quase todas as empresas adotaram foram as categorias de bilhetes de passagem. Nos seus sites existem cerca de seis opções de preço, mas em nenhuma coluna de preços encontramos quantos assentos estão disponibilizados por categoria. Parece que o número de assentos ofertados varia com a demanda. Se estiver aquecida, o numero de assentos com preços mais vantajosos diminui, e assim funciona a bolsa de vendas das empresas aéreas.
Voltando à redução da separação dos assentos, introduzida pela Vasp, as empresas exploraram a flexibilidade dos manuais de voo das aeronaves. A Webjet usa um pitch acima do menor oferecido no mercado. Um indivíduo de estatura média de 1,80 metro não viaja confortavelmente em seus velhos aviões.
Há empresa que, maliciosamente, para burlar a tentativa da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) na busca pelo melhor conforto embarcado, varia o pitch de suas aeronaves. Voando na Gol, poderá ser possível viajar com conforto num pitch próximo de 79 centímetros ou sofrer numa aeronave com pitch reduzido. Para poder melhor implantar a sua determinação de permitir ao pretenso comprador conhecer o nível de conforto que lhe será oferecido a bordo, no momento da compra de seu bilhete aéreo, a Anac poderia exigir que cada empresa utilizasse um pitch único em todas as suas aeronaves.
Ainda sobre o pitch, para compensar a guerra de preço que impera no mercado, houve empresa que resolveu cobrar adicional no preço da passagem pela ocupação dos assentos da primeira fileira e das fileiras que dão acesso às saídas de emergência. Parece que uma reclamação de cliente motivou a penalização de uma empresa que tentou inovar nessa modalidade.
Houve época em que as aeronaves do segmento doméstico tinham duas classes. Os primeiros assentos tinham uma separação maior e os demais eram adequados. Essa prática ainda está em vigor nas aeronaves da empresa Azul, se bem que a separação dos seus demais assentos de 79 centímetros é bastante confortável.
Nos dias atuais, a substituição da conquista de passageiros pela qualidade de seus serviços por uma guerra de preços caiu no gosto de novos viajantes. Longas filas nos check-ins, salas de embarque abarrotadas, atrasos e cancelamentos e uma falta de conforto a bordo minaram o prazer de voar. Virou coisa do passado.
Serviço de bordo de alguns anos atrás em nada lembra o que é servido hoje em aeronaves de empresas de 'baixo custo'.
Por Antônio do Nascimento
Fonte Estado de Minas