Falar
sobre testamento nem sempre é fácil, pois nos remete à possibilidade de morte
de um ente querido, ou nos leva a confrontar a nossa própria mortalidade. No
entanto, ao refletir sobre o tema com um pouco mais de calma, percebe-se
inúmeras vantagens em se fazer um testamento ainda em vida, e, mais
importante,enquanto a pessoa ainda goza de saúde e lucidez.
Como
muitos sabem, o Código Civil desenha uma linha sucessória tradicional,
destinando, obrigatoriamente, metade dos bens para os herdeiros necessários. Os
herdeiros necessários normalmente são o cônjuge e os filhos (ou netos) ou, na
ausência de descendentes, o cônjuge e os pais. A outra metade do patrimônio,
chamado de cota disponível, poderá ser destinada como bem entender o testador.
Na ausência de testamento, todo o patrimônio segue a linha tradicional de
sucessão e, na falta de herdeiros, será destinado ao Estado.
Entre
as muitas utilidades do testamento, ele possibilita que o testador determine
exatamente quais bens serão destinados a quais herdeiros. Se metade do patrimônio
é destinado aos herdeiros necessários, a lei não indica (e nem teria como) qual
é essa metade e, principalmente, qual bem vai para cada herdeiro.
Se
uma pessoa deixa para os seus dois filhos um apartamento na cidade e uma casa
de veraneio, os dois imóveis de valor aproximado, caso inexista testamento,
cada um terá direito à metade do patrimônio, como então será feita a divisão?
Cada um com um dos imóveis (metade do patrimônio)? Mas e se os dois querem o
apartamento, quem terá a preferência? A solução do juiz normalmente será que
cada um terá a metade dos dois imóveis, o que nem sempre é uma boa solução,
pois se não houver boa relação entre os herdeiros ou se houver interesses muito
diferentes (um quer utilizar os imóveis e o outro quer vender) pode gerar
conflito que se arrastará por anos.
Com
o testamento, evita-se esse tipo de conflito, indicando quem fica com cada
parte do patrimônio e até indicando o porquê. Não apenas o testador vai sanar
essa dúvida de quem fica com o quê, como poderá ainda deixar um quinhão maior para
um dos filhos ou para o cônjuge ou companheiro, ou ainda passar parte dos seus
bens diretamente para seus netos, sobrinhos, vizinhos, amigos, ou para quem lhe
parecer de direito.
No
caso de um herdeiro ser acometido por vício ou doença que aflija o testador com
o medo de ver dissipado seu patrimônio, o testador tem recursos para blindar o
patrimônio. Ele poderá usar o testamento para gravar os bens imóveis com
cláusulas de inalienabilidade (proibição de venda), impenhorabilidade (proibição
de dar o bem em garantia), buscando proteger o herdeiro. Pode ainda gravá-lo
com usufruto em benefício de uma terceira pessoa, garantindo sua moradia apesar
da divisão patrimonial.
O
testamento também pode ser usado para elucidar situações obscuras, como
declarar o reconhecimento de um filho de outra relação ou para incluir
entidades ou amigos que de outra forma não comporiam o time de sucessores.
Para
os casais que por qualquer razão tenham decidido não oficializar sua relação
por meio de matrimônio ou declaração de união estável, o testamento pode
funcionar como uma ferramenta útil de disposição de vontade, esclarecendo que o
companheiro ou companheira receberá determinado quinhão da herança, evitando
futuros desgastes familiares e discussões judiciais. Essa instrumentalidade é
particularmente interessante para casais heteros ou homoafetivos cujas famílias
tenham problemas com os companheiros, que ficará guarnecido dentro dos limites
legais.
Poderá
ainda o testador cuidar de assuntos práticos, como dispor sobre a forma de
pagamento de uma eventual dívida, deixar instruções ou recomendações sobre o
que achar pertinente, indicar como deverá ser resgatado investimentos e ações,
quem deverá assumir os negócios da família, em caso de filho menor sem outro
responsável legal, quem deverá tutelá-lo, cuidar de sua herança e os termos em
que isso deverá ser feito, dentre tantas outras disposições possíveis de acordo
com as singularidades de cada caso e unidade familiar.
O
testamento, normalmente elaborado por advogado especializado e feito no momento
adequado, além de espelhar a vontade exata do testador, evitar distorções que a
divisão tradicional possa vir a gerar, privilegiar pessoas (familiares ou não)
mais próximas, ainda economiza tempo e dinheiro, pois, registrado o testamento
público em cartório de notas ou elaborado o testamento particular, a sucessão
será menos custosa e mais rápida do que a sucessão sem testamento,
dispensando-se, na maioria das vezes, o ajuizamento de ação judicial.
Um
erro comum é pensar que somente se deve fazer o testamento quando se estiver
com uma doença grave ou em idade muito avançada. Infelizmente, a maior parte
das pessoas não têm essa oportunidade ou, quando têm, a pessoa costuma ter
outras preocupações tão maiores, que simplesmente se esquece do testamento. Não
há idade ou estado de saúde certos para fazer o testamento desde que a pessoa
tenha plena capacidade mental. Ele é recomendável para qualquer pessoa que
tenha algum patrimônio e, por qualquer peculiaridade familiar, perceba a
importância de dispor adequadamente dos seus bens ou contemplar pessoas (ou
instituições) que não são herdeiros necessários.
É
importante ressaltar que uma vez feito o testamento, se o testador mudar de
ideia ou se o cenário mudar, ele pode alterar ou substituir por completo seu
testamento quantas vezes quiser.
Mencionamos
acima apenas alguns dos benefícios de se fazer o testamento em vida, boa
prática que vem se popularizando em razão das evidentes vantagens para aqueles
que querem resguardar seus parentes e amigos queridos, indicando exatamente o
quinhão que caberá a cada um deles, com a possibilidade de individualização de
bens e uso das cláusulas que impedem a dissipação imediata de propriedades.
Em
pleno século XXI, com relações familiares cada vez mais complexas, dinâmicas e
imprevisíveis, cada dia faz menos sentido deixar a partilha ser feita
integralmente como indica a lei para casos de ausência de testamento, sendo ele
um instrumento cada vez mais necessário para a realização de uma divisão justa,
que alcance a todas as pessoas queridas ao testador, nos quinhões por ele
desejado, da forma por ele especificada, espelhando integralmente sua
disposição de vontade.
Por
Marina Toth
Fonte
Consultor Jurídico