quarta-feira, 15 de julho de 2015

DUBSMASH: INVENÇÃO OU VIOLAÇÃO?


O Dubsmash não pode ser considerado um provedor de hospedagem, e sim de informação. Não são os usuários que postam informação e conteúdo protegido, e sim o próprio Dubsmash. Sua conduta deve então ser regida pela regra geral do Art. 29 da Lei dos Direitos Autorais.
O mercado de aplicativos foi sacudido com o lançamento no Brasil do Dubsmash, aplicativo que permite ao usuário criar vídeos por meio de dublagem de voz de gente famosa como atores, cantores e políticos.
No entusiasmo com a nova tecnologia, pouca gente, porém, questionou a legalidade da utilização de tais vozes, que muitas vezes são parte de obras protegidas pelas leis de direitos autorais brasileiras e estrangeiras.
No caso da lei brasileira, o Art. 90 da Lei Nº 9.610/98 (“Lei de Direitos Autorais”) garante ao artista, intérprete ou executante, o direito exclusivo de, a título oneroso ou gratuito, autorizar ou proibir:

I - a fixação de suas interpretações ou execuções; II - a reprodução, a execução pública e a locação das suas interpretações ou execuções fixadas; III - a radiodifusão das suas interpretações ou execuções, fixadas ou não; IV - a colocação à disposição do público de suas interpretações ou execuções, de maneira que qualquer pessoa a elas possa ter acesso, no tempo e no lugar que individualmente escolherem; V - qualquer outra modalidade de utilização de suas interpretações ou execuções.

Note que o item II deste artigo explicitamente determina que tal proteção estende-se à reprodução da voz e imagem, quando associadas às suas atuações.

Além de constituir ofensa ao direito autoral, o uso indevido da obra de determinado pessoa, sem sua devida autorização, também pode constituir violação a direito de personalidade. É pacífico o entendimento que a voz é considerada um atributo da personalidade, sendo inclusive objeto de proteção constitucional à luz do que preconiza a Constituição Federal em seu art. 5º inciso XXVIII:

XXVIII - são assegurados, nos termos da lei:

a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas;

Destarte, tanto o STJ quanto vários Tribunais superiores já proferiram diversos julgados no sentido de proteção da voz de artistas em caso de dublagem. (STJ - REsp n° 148.781-SP - Rei Min. Barros Monteiro - J. 02.09.2004).

Assim, na ausência de permissão expressa dos titulares das vozes que constituem parte de obras protegidas, a sua disponibilização ao público, em tese, constituiria infração ao direito de personalidade e direitos autorais de seus titulares.
Argumentar-se-á em favor do Dubsmash, que sua atuação está respaldada em “fair use”, com fulcro no Art. 46 da Lei dos Direitos Autorais que estabelece, entre outros, que não constitui ofensa aos direitos autorais:

II - a reprodução, em um só exemplar de pequenos trechos, para uso privado do copista, desde que feita por este, sem intuito de lucro;
VI - a representação teatral e a execução musical, quando realizadas no recesso familiar ou, para fins exclusivamente didáticos, nos estabelecimentos de ensino, não havendo em qualquer caso intuito de lucro;
VIII - a reprodução, em quaisquer obras, de pequenos trechos de obras preexistentes, de qualquer natureza, ou de obra integral, quando de artes plásticas, sempre que a reprodução em si não seja o objetivo principal da obra nova e que não prejudique a exploração normal da obra reproduzida nem cause um prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores.

Quanto ao inciso II, é notório que a reprodução feita pelo Dubsmash não esta sendo feita para uso privado, já que o aplicativo contendo a obra violada está sendo disponibilizado ao público em geral, tendo até o momento sido baixado por mais de 20 milhões de usuários. Quanto ao intuito de lucro, mesmo na eventualidade da não obtenção deste por parte do Dubsmash, a violação subsistiria, haja vista o entendimento pacífico do STJ no sentido de desvinculação entre a obtenção do lucro e pagamento de direitos autorais.
O inciso VI não socorre o Dubsmash porque a disponibilização de conteúdos protegidos na internet não se coaduna com o conceito de “recesso familiar”, fator relevante quanto ao uso pelos usuários e não pelo Dusmash.
No tocante ao inciso VIII, parece temerária a defesa com base no mesmo, já que o Dubsmash apenas reproduz a música (cuja definição dada pela Lei de Direitos Autorais abrange todo e qualquer armazenamento permanente ou temporário por qualquer meio), não havendo criação de obra nova por parte deste e sim pelo usuário.
Em relação ao uso pelos usuários do aplicativo, parece não haver violação pelas seguintes razões: i) tal uso seria considerado privado; ii) a execução musical, quando realizada no recesso familiar, não havendo intuito de lucro não constitui violação de direito autoral (Art. 46 VI); iii) os vídeos criados pelos usuários poderiam ser abarcados no conceito de paródias e paráfrases, que conforme preceitua o Art. 47 da Lei de Direitos Autorais, são livres desde que não impliquem descrédito da obra originária.
Por outro lado, poder-se-ia argumentar em favor do Dubsmash que a lei brasileira não é aplicável, já que há nos Termos e Condições de Uso do aplicativo há indicação explicita pelas leis e jurisdição da Alemanha, país de origem dos seus criadores. Não obstante, como se trata de contrato firmado com brasileiros que aceitaram tais termos no Brasil, é imperiosa a incidência das leis brasileiras por força do Art. 9 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, tendo os tribunais brasileiros competência concorrente para julgar quaisquer ações oriundas deste contrato por força do Art. 88 II e III do CPC.
Neste diapasão, cumpre mencionar recente recomendação do Ministério Publico Federal (MPF) do Rio de Janeiro para que a Apple Computer Brasil e a Google Brasil só disponibilizem em suas lojas virtuais aplicativos que obedeçam à Constituição Brasileira e ao Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014).
Nos Termos e Condições do aplicativo, contempla-se ainda a possibilidade de remoção de conteúdo de obra/conteúdo violado(a), mediante o recebimento de notificação de violação (“take down notice”). Todavia, tal previsão não seria suficiente para afastar a sua ilegalidade, haja vista o entendimento do STJ, de que apenas provedores de hospedagem encontrariam abrigo nesta regra, já que estes não podem se responsabilizar pelas postagens e publicações de terceiros (Resp. Nº 1.396.417 - MG (2013⁄0251751-0).
O Dubsmash não pode ser considerado um provedor de hospedagem, e sim de informação. Não sãos os usuários que postam informação e conteúdo protegido, e sim o próprio Dubsmash. Sua conduta deve então ser regida pela regra geral do Art. 29 da Lei dos Direitos Autorais, que requer autorização prévia do autor para a utilização de obra protegida, por quaisquer modalidades.
Ressalvadas as suas proporções, em termos de direitos autorais, o Dubsmash estaria em situação análoga ao projeto da Biblioteca do Google, onde o Google disponibiliza em média 3 páginas de obras protegidas aos usuários da internet, sem que para isso, tenha obtido autorização prévia dos autores. No caso do Google Library, há uma longa batalha judicial que se arrasta desde 2005, iniciada pelo Sindicato dos Autores dos Estados Unidos (“Authors Guild”) e pela Associação das Editoras Americanas (“Association of American Publishers”) baseado no fair use, cuja ultima decisão proferida pela Corte de Apelações do 2º Circuito de Nova York em Novembro de 2013, foi favorável ao Google, mas que, todavia, foi objeto de recurso por parte dos autores.
A legalização da Biblioteca virtual do Google pode causar uma reviravolta quanto às regras de direitos autorais em todo mundo, na medida em que as regras de desobrigação de autorização prévia e políticas de take down notice poderiam vir a  ser aplicáveis também aos provedores de conteúdo, beneficiando aplicativos como o Dubsmash e o consequente enfraquecimento dos direitos dos autores. 
Não há dúvidas quanto aos benefícios decorrentes das novas invenções do mundo digital, em particular aplicativos de músicas, vídeos e livros que proporcionam a criação de novos conteúdos, bem como a disponibilização e facilitação de seu acesso. Tais aplicativos, entretanto, devem respeitar os direitos de personalidade e direitos autorais de terceiros, incluindo sua voz, sobretudo quando seu objetivo é a obtenção de lucro mediante a exploração destes direitos ou a promoção de interesses alheios à vontade do autor. Cabe ao Poder Legislativo, e, sobretudo, ao Poder Judiciário garantir um equilíbrio desejado entre os direitos dos autores e a disponibilidade de seu conteúdo no mundo virtual.

Por Eduardo Ludmer
Fonte JusBrasil Notícias