O
Dubsmash não pode ser considerado um provedor de hospedagem, e sim de
informação. Não são os usuários que postam informação e conteúdo protegido, e
sim o próprio Dubsmash. Sua conduta deve então ser regida pela regra geral do
Art. 29 da Lei dos Direitos Autorais.
O mercado de aplicativos foi sacudido com o lançamento no
Brasil do Dubsmash, aplicativo que permite ao usuário criar vídeos por meio de
dublagem de voz de gente famosa como atores, cantores e políticos.
No
entusiasmo com a nova tecnologia, pouca gente, porém, questionou a legalidade
da utilização de tais vozes, que muitas vezes são parte de obras protegidas
pelas leis de direitos autorais brasileiras e estrangeiras.
No
caso da lei brasileira, o Art. 90 da Lei Nº 9.610/98 (“Lei de Direitos
Autorais”) garante ao artista, intérprete ou executante, o direito exclusivo
de, a título oneroso ou gratuito, autorizar ou proibir:
I - a fixação de suas
interpretações ou execuções; II - a reprodução, a execução pública e a locação
das suas interpretações ou execuções fixadas; III - a radiodifusão das suas
interpretações ou execuções, fixadas ou não; IV - a colocação à disposição do
público de suas interpretações ou execuções, de maneira que qualquer pessoa a
elas possa ter acesso, no tempo e no lugar que individualmente escolherem; V -
qualquer outra modalidade de utilização de suas interpretações ou execuções.
Note
que o item II deste artigo explicitamente determina que tal proteção estende-se
à reprodução da voz e imagem, quando associadas às suas atuações.
Além
de constituir ofensa ao direito autoral, o uso indevido da obra de determinado
pessoa, sem sua devida autorização, também pode constituir violação a direito
de personalidade. É pacífico o entendimento que a voz é considerada um atributo
da personalidade, sendo inclusive objeto de proteção constitucional à luz do
que preconiza a Constituição Federal em seu art. 5º inciso XXVIII:
XXVIII - são assegurados,
nos termos da lei:
a) a proteção às
participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz
humanas, inclusive nas atividades desportivas;
Destarte,
tanto o STJ quanto vários Tribunais superiores já proferiram diversos julgados
no sentido de proteção da voz de artistas em caso de dublagem. (STJ - REsp n°
148.781-SP - Rei Min. Barros Monteiro - J. 02.09.2004).
Assim,
na ausência de permissão expressa dos titulares das vozes que constituem parte
de obras protegidas, a sua disponibilização ao público, em tese, constituiria
infração ao direito de personalidade e direitos autorais de seus titulares.
Argumentar-se-á
em favor do Dubsmash, que sua atuação está respaldada em “fair use”, com fulcro
no Art. 46 da Lei dos Direitos Autorais que estabelece, entre outros, que não
constitui ofensa aos direitos autorais:
II - a reprodução, em um só
exemplar de pequenos trechos, para uso privado do copista, desde que feita por
este, sem intuito de lucro;
VI - a representação
teatral e a execução musical, quando realizadas no recesso familiar ou, para fins
exclusivamente didáticos, nos estabelecimentos de ensino, não havendo em
qualquer caso intuito de lucro;
VIII - a reprodução, em
quaisquer obras, de pequenos trechos de obras preexistentes, de qualquer
natureza, ou de obra integral, quando de artes plásticas, sempre que a
reprodução em si não seja o objetivo principal da obra nova e que não
prejudique a exploração normal da obra reproduzida nem cause um prejuízo
injustificado aos legítimos interesses dos autores.
Quanto
ao inciso II, é notório que a reprodução feita pelo Dubsmash não esta sendo
feita para uso privado, já que o aplicativo contendo a obra violada está sendo
disponibilizado ao público em geral, tendo até o momento sido baixado por mais
de 20 milhões de usuários. Quanto ao intuito de lucro, mesmo na eventualidade
da não obtenção deste por parte do Dubsmash, a violação subsistiria, haja vista
o entendimento pacífico do STJ no sentido de desvinculação entre a obtenção do
lucro e pagamento de direitos autorais.
O
inciso VI não socorre o Dubsmash porque a disponibilização de conteúdos
protegidos na internet não se coaduna com o conceito de “recesso familiar”,
fator relevante quanto ao uso pelos usuários e não pelo Dusmash.
No
tocante ao inciso VIII, parece temerária a defesa com base no mesmo, já que o
Dubsmash apenas reproduz a música (cuja definição dada pela Lei de Direitos
Autorais abrange todo e qualquer armazenamento permanente ou temporário por
qualquer meio), não havendo criação de obra nova por parte deste e sim pelo
usuário.
Em
relação ao uso pelos usuários do aplicativo, parece não haver violação pelas
seguintes razões: i) tal uso seria considerado privado; ii) a execução musical,
quando realizada no recesso familiar, não havendo intuito de lucro não
constitui violação de direito autoral (Art. 46 VI); iii) os vídeos criados
pelos usuários poderiam ser abarcados no conceito de paródias e paráfrases, que
conforme preceitua o Art. 47 da Lei de Direitos Autorais, são livres desde que
não impliquem descrédito da obra originária.
Por
outro lado, poder-se-ia argumentar em favor do Dubsmash que a lei brasileira
não é aplicável, já que há nos Termos e Condições de Uso do aplicativo há
indicação explicita pelas leis e jurisdição da Alemanha, país de origem dos
seus criadores. Não obstante, como se trata de contrato firmado com brasileiros
que aceitaram tais termos no Brasil, é imperiosa a incidência das leis
brasileiras por força do Art. 9 da Lei de Introdução às Normas do Direito
Brasileiro, tendo os tribunais brasileiros competência concorrente para julgar
quaisquer ações oriundas deste contrato por força do Art. 88 II e III do CPC.
Neste
diapasão, cumpre mencionar recente recomendação do Ministério Publico Federal
(MPF) do Rio de Janeiro para que a Apple Computer Brasil e a Google Brasil só
disponibilizem em suas lojas virtuais aplicativos que obedeçam à Constituição
Brasileira e ao Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014).
Nos
Termos e Condições do aplicativo, contempla-se ainda a possibilidade de remoção
de conteúdo de obra/conteúdo violado(a), mediante o recebimento de notificação
de violação (“take down notice”). Todavia, tal previsão não seria suficiente
para afastar a sua ilegalidade, haja vista o entendimento do STJ, de que apenas
provedores de hospedagem encontrariam abrigo nesta regra, já que estes não
podem se responsabilizar pelas postagens e publicações de terceiros (Resp. Nº
1.396.417 - MG (2013⁄0251751-0).
O
Dubsmash não pode ser considerado um provedor de hospedagem, e sim de
informação. Não sãos os usuários que postam informação e conteúdo protegido, e
sim o próprio Dubsmash. Sua conduta deve então ser regida pela regra geral do
Art. 29 da Lei dos Direitos Autorais, que requer autorização prévia do autor
para a utilização de obra protegida, por quaisquer modalidades.
Ressalvadas
as suas proporções, em termos de direitos autorais, o Dubsmash estaria em
situação análoga ao projeto da Biblioteca do Google, onde o Google
disponibiliza em média 3 páginas de obras protegidas aos usuários da internet,
sem que para isso, tenha obtido autorização prévia dos autores. No caso do
Google Library, há uma longa batalha judicial que se arrasta desde 2005,
iniciada pelo Sindicato dos Autores dos Estados Unidos (“Authors Guild”) e pela
Associação das Editoras Americanas (“Association of American Publishers”)
baseado no fair use, cuja ultima decisão proferida pela Corte de Apelações do
2º Circuito de Nova York em Novembro de 2013, foi favorável ao Google, mas que,
todavia, foi objeto de recurso por parte dos autores.
A
legalização da Biblioteca virtual do Google pode causar uma reviravolta quanto
às regras de direitos autorais em todo mundo, na medida em que as regras de
desobrigação de autorização prévia e políticas de take down notice poderiam vir
a ser aplicáveis também aos provedores
de conteúdo, beneficiando aplicativos como o Dubsmash e o consequente
enfraquecimento dos direitos dos autores.
Não
há dúvidas quanto aos benefícios decorrentes das novas invenções do mundo
digital, em particular aplicativos de músicas, vídeos e livros que proporcionam
a criação de novos conteúdos, bem como a disponibilização e facilitação de seu
acesso. Tais aplicativos, entretanto, devem respeitar os direitos de
personalidade e direitos autorais de terceiros, incluindo sua voz, sobretudo
quando seu objetivo é a obtenção de lucro mediante a exploração destes direitos
ou a promoção de interesses alheios à vontade do autor. Cabe ao Poder
Legislativo, e, sobretudo, ao Poder Judiciário garantir um equilíbrio desejado
entre os direitos dos autores e a disponibilidade de seu conteúdo no mundo
virtual.
Por
Eduardo Ludmer
Fonte JusBrasil Notícias