Acúmulo
de tarefas, cobranças excessivas, perfeccionismo e foco no trabalho como fonte
exclusiva de prazer levam ao esgotamento físico e mental. Reconheça os sinais
da síndrome de burnout e aja antes de acabar exaurida.
É
como se o corpo e a mente colocassem um ponto final: “Agora chega!” Um cansaço
devastador revela falta absoluta de energia. Todas as reservas estão esgotadas.
No trabalho, a pessoa, antes competente e atenciosa, liga o “piloto
automático”. No lugar da motivação, surgem irritação, falta de concentração,
desânimo, sensação de fracasso. Esses são indícios de uma doença cruel e de
difícil diagnóstico que avança nos hospitais, nas empresas, escolas... A
síndrome de burnout, ou esgotamento profissional, decorre de stress prolongado
no trabalho. O termo em inglês significa estar chamuscado, queimado, calcinado por
um fogo que se alastra como numa floresta. “É quando a casa cai”, resume o
psiquiatra e clínico-geral Cyro Masci, autor do livro digital Bioestresse:
Novos Caminhos para o Equilíbrio e a Saúde (Amazon). No Brasil, 30% dos
profissionais apresentam esse grau máximo de pane no sistema, conforme pesquisa
da filial nacional da International Stress Management Association (Isma), que
avaliou mil pessoas de 20 a 60 anos entre 2013 e 2014. Segundo a psicóloga Ana
Maria Rossi, presidente da organização no país, 96% dos atingidos sentem-se
incapacitados, o que provoca absenteísmo – para realizar exames e licenças
médicas – e presenteísmo, quando se está fisicamente no posto, mas com a mente
distante.
O
rendimento, claro, cai. “Quem tem burnout trabalha cinco horas a menos por
semana”, calcula a psicóloga. E enfrenta maior risco de erros e acidentes de
carro, por exemplo, diante da desatenção e da imprudência. Como se não
bastasse, há perdas sociais, especialmente na relação com os colegas. “O grupo
demonstra solidariedade e até oferece auxílio nas tarefas. Mas, sobrecarregado
pelos afazeres do outro, passa a questionar: ‘Como alguém pode ficar doente o
tempo todo?’ E o apoio cede espaço à hostilidade”, explica ela. Familiares e
amigos também questionam como alguém de aparência normal pode estar tão
debilitado. “A tendência é darem conselhos para reagir, o que só piora o
quadro”, revela Masci. “Muito exigente consigo, o profissional vai tentar
produzir mais, o que intensifica o cansaço e diminui a eficiência. É um ciclo
vicioso.”
O
termo burnout, que só se aplica no ambiente laboral, foi criado pelo
psicanalista americano Herbert Freudenberger em 1974 para descrever o
adoecimento que observou em si mesmo e em colegas. Um relatório feito com base
em 20 mil entrevistas, o Medscape Physician Lifestyle Report 2015, divulgado em
janeiro passado, concluiu que 46% dos médicos dos Estados Unidos têm burnout.
Em 2013, a taxa era de 40%. As categorias mais atingidas são as que lidam com
pessoas e se expõem ao sofrimento humano, conforme nota Masci. A síndrome
acomete muitos enfermeiros, psicólogos, professores, policiais, bombeiros,
carcereiros, oficiais de Justiça, assistentes sociais, atendentes de
telemarketing, bancários, advogados, executivos, arquitetos e jornalistas. Com
a ala feminina no alvo principal. “Num grupo de mil profissionais, há 540
mulheres para 460 homens com burnout. Elas são mais afetadas porque não se
lembram de seguir a orientação das aeromoças: colocar em si mesmas a máscara de
oxigênio antes de ajudar os outros. Foi isso que escreveram Sheryl Sandberg,
diretora do Facebook, e Adam Grant, professor de administração da Universidade
da Pensilvânia, nos Estados Unidos, em artigo sobre mulher e trabalho,
publicado no jornal The New York Times em fevereiro deste ano. O dado foi
obtido em uma análise de 183 estudos sobre diferenças de gênero e burnout em 15
países. Segundo Sandberg e Grant, uma das razões é a expectativa de que as
mulheres realizem, além das suas funções, também o serviço “doméstico” do
escritório, como atender telefone, tomar notas, servir café e organizar festas,
sem serem recompensadas por isso. Quando negam, são malvistas, o que pode
prejudicar a carreira. “Se o homem não ajuda, é porque está ocupado. A mulher é
egoísta”, mostram. Incapaz de dizer não, ela abraça mais obrigações, até chegar
ao ponto crítico da síndrome do burnout.
A escalada ao caos
Três
características marcam a doença. A primeira é a exaustão, citada por 97% das
brasileiras na pesquisa do Isma. “A sensação é de estar no vermelho, sem
recursos físicos e emocionais”, diz Ana Maria. Há fraqueza, dores musculares e
de cabeça, náuseas, alergias, queda de cabelo, distúrbios do sono, maior
suscetibilidade a gripes e diminuição do desejo sexual; 91% relataram
desesperança, solidão, raiva, impaciência e depressão; 85% citaram raciocínio
lento, memória alterada e baixa autoestima. A segunda característica, com
traços emocionais, liga-se à despersonalização ou ceticismo e distanciamento
afetivo. O profissional passa a ter contato frio e irônico com os receptores do
seu trabalho e, não raro, torna-se uma presença ranzinza e negativista. A
terceira refere-se mais à produtividade, com baixo grau de satisfação pessoal.
A pessoa produz pouco e acha que isso não tem valor. A escalada até o caos é
progressiva. “Se colocar um sapo na água quente, ele foge. Mas, se aumentar a
temperatura aos poucos, ele não percebe e vai se adaptando até que um dia
explode”, compara Ana Maria. As mudanças também são graduais e em fases. O sono
já não consegue reparar o organismo. “Períodos de excitação se intercalam com
horas em que se sentem mortos-vivos”, diz Masci. Na etapa seguinte, a queda no
rendimento levanta dúvidas quanto à própria capacidade. Depois, predomina a
agressividade. Os hormônios liberados nos ataques de ira (como o cortisol,
produzido na suprarrenal) ampliam o risco de diabetes, cardiopatias, doenças
autoimunes, crises de pânico e depressão. Por último, instala-se o esgotamento
total.
Perfeição, o veneno
O
burnout é produto de um mix de fatores pessoais, profissionais e sociais. Entre
as causas individuais destacam-se o perfeccionismo, que leva à busca de uma
excelência às vezes impossível, e o idealismo em relação à profissão, cobrando
um engajamento pessoal para além dos limites. Uma revisão de estudos feita pela
equipe da psiquiatra Telma Trigo, no Instituto de Psiquiatria da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo, em 2007, apontou ainda competitividade,
impaciência, necessidade exagerada de controlar as situações e dificuldade para
tolerar frustração, delegar tarefas e trabalhar em grupo. Os fatores laborais
que servem de gatilho são: demandas excessivas que ultrapassam a capacidade de
realização, baixo nível de autonomia e de participação nas decisões, falta de
apoio das chefias, sentimento de injustiça, impossibilidade de promoção,
conflitos com colegas e isolamento. “A pessoa nunca é convidada para happy
hours e só fica sabendo dos churrascos depois”, exemplifica Ana Maria. Outro
fator comum é a sensação de que é preciso contrariar os próprios valores para
se dar bem na carreira.
Tratamento
Esse
mal é reconhecido pela Organização Mundial da Saúde e pelas leis brasileiras
como doença ocupacional. Por isso, admite-se o afastamento para debelar a
síndrome. O problema está na dificuldade de diagnosticar – muitas vezes ela é
confundida com depressão. Em geral, antidepressivos fornecem certo alívio. Mas
o tratamento compreende mais coisas. “Não dá para tomar um remedinho e seguir
num ritmo alucinante”, alerta Cyro Masci. É preciso desacelerar. A mudança pode
vir por meio de psicoterapia. Meditação e técnicas de relaxamento associadas ao
tratamento combatem esse tipo de stress, como demonstrou uma revisão de 58
estudos com 7 188 participantes feita pela Cochrane Library e divulgada em
dezembro. Ana Maria adverte que a volta ao trabalho nem sempre é fácil. “O
ideal é um retorno gradual, em que as demandas crescem aos poucos”, orienta. O
mais importante, porém, se alinha à alteração da postura. Sheryl Sandberg e
Adam Grant enfatizam que as mulheres (e os homens) alcançam a melhor
performance e experimentam menos burnout quando respeitam as próprias
necessidades e limites.
Para fugir da síndrome de burnout
·
Abandone
o lema “Meu nome é trabalho”. Não coloque todos os ovos numa cesta só.
Diversifique as fontes de gratificação e descubra seus hábitos de prazer. Leia
mais, vá ao cinema, curta os amigos e os pets.
·
Faça
uma avaliação sobre custo e benefício: o que a atraiu nesse emprego e a mantém
aí? A possibilidade de ajudar as pessoas?
·
O
salário? Seja qual for a motivação, focalize no que é positivo em vez de olhar
os aspectos negativos que, em geral, são muitos.
·
Restabeleça
contatos profissionais. Faça networking, procure novas chances no mercado ou em
outro setor da empresa se o que você faz, no momento, significa exaustão.
·
Atenção
aos sinais emitidos por seu corpo. A exaustão pode ser sintoma de várias
doenças, de anemia a distúrbios da tireoide. Na dúvida, consulte um médico. Se
for stress, procure desacelerar o ritmo e faça uma coisa de cada vez.
·
Cuide
de seu estilo de vida. Alimente- -se bem, em horários regulares, sem exagerar
no álcool e na cafeína. Durma o necessário para acordar reanimada.
·
Inclua
exercícios físicos na rotina. Eles ativam a circulação, estimulam o
metabolismo, energizam e ajudam a administrar o stress.
·
Conte
com o apoio da família, dos amigos ou de uma prática espiritual.
Por
Cristina Nabuco
Fonte
MdeMulher