Antes
de mais, retenha-se a alegoria do domador de ursos, citada por Luis Recasens
Siches na sua consagrada obra Filosofía Del Derecho que a seu turno refere a
Radbruch e aquele toma por premissa a hipótese de Petrasyski, onde se relata o
caso:
“(...) En el andén de una estación ferroviária de Polonia había
un letrero que transcribía un artículo del reglamento de ferrocarriles, cuyo
texto rezaba: Se prohibe el paso al andén com perros.
Sucedió una vez que alguien iba a penetrar en el andén
acompañado de um oso. El empleado que vigilaba la puerta le impidió el acceso.
Protestó la persona que iba acompañada del oso, diciendo que aquel artículo del
reglamento prohibía solamente pasar al andén con perros, pero no com outra
clase de animales; y de ese modo surgió un conflicto jurídico, que se centró em
torno de la interpretación de aquel artículo del reglamento.
No cabe la menor duda de que, si aplicamos estrictamente los
instrumentos de la lógica tradicional, tendremos que reconocer que la persona
que iba acompañada del oso tênia indiscutible derecho a entrar ella junto com
el oso al andén. No hay modo de incluir a los osos dentro del concepto
‘perros’.”
Pois bem:
em ser assim, deverá haver na estimação da norma, a devida congruência entre
meios e fins, para que sua eficácia exalte a sua própria razão de ser. Toda
norma deve ser interpretada teleologicamente, ou seja, pela ideia-força que a
construiu.
Segue-se,
então, caso julgado que versa sobre a possibilidade de criação de animal de
grande porte em unidade condominial diante de expressa vedação contida na
convenção.
Doutrina
e jurisprudência têm permitido, a depender do caso concreto, que o aplicador da
norma possa imprimir leitura diferenciada do simples viés enunciativo; deve-se
buscar o sentido teleológico da regra do condomínio.
Com
efeito, a permanência de um animal em um prédio só pode ser proibida se houver
violação do sossego, da salubridade e da segurança dos condôminos (art. 1.336,
IV, Código Civil). No ponto, invoca-se o clássico paradigma dos três “S”, para
“uma devida eficiência de análise do caso concreto ao desate meritório”. Bem a
propósito, o magistério de Flávio Tartuce e José Fernando Simão, sustenta:
“...sendo expressa a proibição de qualquer animal, não há que prevalecer a
literalidade do texto que representa verdadeiro exagero na restrição do direito
de uso da unidade autônoma, que é garantido por lei (art. 1.335, I, do C e art.
19 da Lei 4.591/1964), valendo o entendimento pelo qual se deve afastar a
literalidade da convenção para a análise do caso concreto”.
De
fato, se o cão não traz qualquer insegurança aos moradores, seja de ordem
física ou psicológica, não viola o sossego e não se mostra nocivo, inexiste
razão alguma para que a norma seja interpretada restritivamente tão só pelo
fato de o mesmo ser de grande porte. Assim fosse, portador de deficiência
visual ficaria proibido de ter em sua companhia no edifício o seu cão-guia.
De
tal conduto, é certo que o condomínio pode estabelecer regras limitativas do
direito de vizinhança, conforme autoriza a Lei 4.591/64. Entretanto, a
disposição interna do condomínio que proíbe a criação de animais deve ser
avaliada no seu verdadeiro alcance finalístico. Interpreta-se, pois, que a
proibição condominial não se refere a animal de grande ou médio porte, mas os
de grande ou médio porte que violem o sossego, a salubridade e a segurança dos
condôminos. Caberia a indagação: Se o animal fosse pequeno e feroz e causasse
risco à segurança, saúde e sossego, seria permitida a sua manutenção?
Demais
disso, uma nova compreensão acerca da proteção jurídica e dos direitos dos
animais, avoca estudo recente do jurista português José Luis Bonifácio Ramos,
intitulado O animal como tertium genus?, onde ele defende que o animal não pode
continuar sendo identificado simplesmente como coisa.
Certamente,
como pensou Recansens Siches, citado por Giselda Hironaka em suas magistrais
aulas, os sintomas dos fatos não se submetem, sempre, à lógica tradicional,
porque nada obstante “no se hallaría manera de convertir a um oso en un perro”,
a interpretação do conteúdo de um preceito jurídico deverá representar um
sentimento palpitante de realidade que o determinou.
Por
Jones Figueirêdo Alves
Fonte
Consultor Jurídico