sábado, 30 de abril de 2016

FATO OU FICÇÃO: BEBÊS QUE ESCUTAM MÚSICA CLÁSSICA FICAM MAIS INTELIGENTES

O chamado “efeito Mozart” tem base científica ou é apenas um mito promovido pela mídia? Bebê mais esperto? Cientistas dizem que, apesar do apelo dos CDs, simplesmente ouvir música clássica não torna uma criança mais inteligente

A frase “efeito Mozart” logo traz à mente a imagem de uma mulher grávida que, segurando fones de ouvido sobre a barriga, está convencida de que fazer com que seu bebê escute música clássica o tornará mais inteligente. Mas há uma base científica para essa idéia, que alimenta toda uma indústria de livros, CDs e vídeos?
Um pequeno estudo publicado na revista “Nature” em 1993 apresentou sem querer o suposto efeito Mozart para as massas. A pesquisa da psicóloga Frances Rauscher contou com 36 alunos de faculdade que, por dez minutos, ouviram a sonata em Ré maior de Mozart, uma faixa de música para relaxamento ou ficaram em silêncio, antes de realizarem tarefas de raciocínio espacial. Em um dos testes – determinar a aparência de um papel dobrado várias vezes e então cortado, quando desdobrado novamente –, os alunos que tinham ouvido Mozart tiveram um desempenho significativamente melhor (de 8 a 9 pontos de Q.I.).
Rauscher – cujo trabalho, ao contrário da maioria dos cientistas, às vezes é listado nas caixas dos CDs – ainda não sabe como o efeito da música clássica deixou de ser resultado de uma simples tarefa para ser estendido à inteligência em geral, nem como passou a ser atribuído a crianças (fetos). “Acho que os pais estão muito desesperados para tornar os filhos melhores”, ela suspeita.
Além da enxurrada de produtos colocados à venda após o estudo, em 1998, Zell Miller, então senador da Georgia, nos EUA, ordenou que todas as mães de recém-nascidos do estado recebessem CDs. Na Flórida, as creches foram obrigadas a tocar sinfonias em seus sistemas de som.
Um estudo de 2004 da Stanford University acompanhou a cobertura feita pela mídia do estudo de Rauscher em comparação a outros estudos publicados na “Nature” no mesmo período. Nos 50 maiores jornais dos Estados Unidos, seu estudo, intitulado “Musical and Spatial Task Performance” (Desempenho de tarefa musical e espacial) foi citado 8,3 vezes mais que o segundo estudo mais popular (que tinha como co-autor o famoso astrônomo Carl Sagan).
“Parece uma manifestação circunscrita de uma crença antiga e altamente difundida, que tem sido rotulada como ‘determinismo infantil’ – a idéia de que um período crítico no início do desenvolvimento tem conseqüências irreversíveis para o resto da vida da criança”, disseram os pesquisadores em sua análise. “Essa idéia também está ancorada em uma crença mais antiga nos poderes benéficos da música”.
Algumas pessoas ainda defendem esses supostos poderes musicais. “A música traz uma tremenda qualidade organizacional para o cérebro”, argumenta Don Campbell, músico clássico que já escreveu mais de 20 livros sobre música, saúde e educação, incluindo “O Efeito Mozart” (Editora Rocco) e “The Mozart Effect for Children”. Referindo-se ao trabalho do médico francês Alfred Tomatis de terapia musical para crianças com dislexia, transtornos de déficit de atenção e autismo na metade do século 20, Campbell acredita que a música não muito emocional, nem ritmada demais, exerce uma influência multifacetada sobre a pessoa, da modulação do humor ao alívio do estresse. “Tenho certeza que a música melhora nossa inteligência”, ele completa.
No entanto, em 1999 o psicólogo Christopher Chabris, agora no Union College em Schenectady, estado de Nova York, realizou uma meta-análise de 16 estudos relacionados ao efeito Mozart para comprovar sua eficácia geral. “O efeito é de somente um ponto e meio no Q.I., e está confinado à tarefa do papel dobrado”, afirma Chabris. Ele ressalta que os pontos a mais no Q.I. poderiam simplesmente resultar da variabilidade natural que uma pessoa experimenta entre duas aplicações de testes.
No começo deste ano, o Ministério da Educação e Pesquisa da Alemanha publicou um segundo estudo de revisão das pesquisas relacionadas ao tema, com uma equipe multidisciplinar de cientistas com habilidades musicais, que declararam o fenômeno como não-existente. “Eu simplesmente diria que não há nenhuma evidência convincente de que crianças que escutam música clássica terão alguma melhora em suas habilidades cognitivas”, completa Rauscher, agora professora-associada de psicologia na University of Wisconsin, em Oshkosh. “Na minha humilde opinião, não passa de um mito.”
Em vez de ouvir música passivamente, Rauscher defende a idéia de colocar um instrumento musical nas mãos de uma criança para aumentar sua inteligência. Ela cita um estudo realizado na University of California, em Los Angeles, em 1997, que revelou que, entre 25 mil alunos, aqueles que passavam parte do tempo em atividades relacionadas à música tiveram notas mais altas nos SATs (testes similares ao vestibular) e exames de proficiência em leitura, que aqueles sem nenhuma instrução em música.
Apesar da rejeição por parte da comunidade científica, empresas como a Baby Genius continuam empurrando música clássica para os pais. Chabris afirma que o verdadeiro perigo não está na comercialização questionável dos produtos, mas no papel que os pais estão negligenciando – e que foram evolucionariamente preparados para assumir. “Essa prática pode tomar o tempo de outros tipos de interação com os pais que podem ser benéficas para as crianças, como brincar com os filhos e mantê-los engajados em atividades sociais. Esse é o caminho para uma criança realmente inteligente.”

Por Nikhil Swaminathan
Fonte Duetto Editorial