Especialistas comentam as armadilhas que fazem
diferença nas finanças pessoais
Quando
o assunto é dinheiro, é difícil ser racional e certinho o tempo todo. Uma
tentação aqui, uma exceção em outro gasto ali e pronto. Uma brecha foi aberta
para as emoções influenciarem a decisão sobre o que fazer com o dinheiro, seja
ela importante ou corriqueira. Pode ser o próprio impulso de comprar um produto
cujo preço extrapola demais a renda. Ou a ilusão de achar que teve um excelente
retorno em um investimento ou aplicação que apenas corrigiu a inflação do
período.
O
que dizer, ainda, do péssimo hábito de usar o cheque especial com o dinheiro
guardado na poupança? Especialistas comentam as cinco armadilhas que fazem
diferença nas finanças pessoais. Primeiro é preciso percebê-las e, depois,
adotar técnicas para evitá-las. Veja:
Consuma como rico se produzir como rico
Não
adianta. Se a renda é uma só, os gastos terão de respeitar esse limite. É como
o fluxo de caixa de uma empresa. A receita deve ser capaz de honrar despesas, e
se ocorre o oposto é hora de usar a tesoura.
Empresário
ou empregado devem ajustar os gastos com a renda. “Se quiser consumir como um
rico precisará produzir como um rico. Se for necessário, pense em estratégias
para aumentar a geração de receita, ou fazer atividades extras”, diz Richard
Rytenband, economista e especialista em investimentos.
Ignorar
essa regra e manter um padrão de vida incompatível com a renda mensal
representa acumular dívidas. Uma forma de evitar esse erro, que não é
exatamente um hábito, é colocar tudo no papel e fazer um orçamento para
visualizar a entrada e saída de recursos.
Olhe a inflação antes de achar que o dinheiro está
rendendo muito
Os
tempos da hiperinflação, quando o ritmo de aumento do índice de preços andava
sempre na casa dos dois, três e quatro dígitos, deixaram uma ilusão na memória
de quem viveu a década de 80 e o comecinho dos anos 90. “Quem viveu naquela
época tem a sensação de que a inflação de hoje, perto dos 7% ao ano, é baixa.
E, com isso, esquece o efeito que ela provoca no longo prazo”, afirma André
Massaro, consultor e educador financeiro.
Por
isso, um hábito ruim é o de olhar apenas para o valor ou rendimento nominal e
não o real, que é aquele descontado da inflação. Rytenband diz que isso pode
acontecer ao olhar a rentabilidade da poupança ou de outra aplicação
financeira. Para se ter uma ideia, em 2014, a rentabilidade anual da caderneta
foi de 7,08%, mas ao descontar a inflação de 6,41% do período, medida pelo
Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o retorno foi bem menor, de 0,63%.
Outro
exemplo mencionado por Rytenband, sobre como essa ilusão age na avaliação de
investimentos, é o de quem comprou um imóvel por R$ 200 mil em 1995 e hoje
vendeu por R$ 800 mil, pensando que teve um ganho muito expressivo, quando na
verdade a diferença entre os valores apenas foi corrigida pela inflação do
período.
Para
evitar essa ilusão não tem outro jeito. Antes de julgar se um valor ou
rendimento foi realmente vantajoso é preciso calcular.
Fuja das contas mentais
De
todos os hábitos nocivos, a contabilidade mental é a mais maliciosa, porque
surge sem que a pessoa perceba. É a separação do dinheiro em compartimentos,
com base na origem dele. Um tipo de contabilidade mental é o que leva a pessoa
a colocar, todo mês, parte da renda na poupança e ao mesmo tempo utilizar o
limite do cheque especial.
Ela
acha que ao aplicar o dinheiro está tendo rendimentos e tem uma sensação
positiva. Mas, de um lado ganha um rendimento de apenas 0,5% ao mês mais Taxa
Referencial (TR), e de outro paga para o banco uma taxa média de 10,37% ao mês
(segundo pesquisa do Procon) pela utilização do limite do cheque especial.
Não
faz sentido matemático, mas está no comportamento. Adriana Rodopoulos,
economista e sócia-fundadora da Oficina de Escolhas, explica que esse fenômeno
está relacionado a outra armadilha comportamental, que é a autoconfiança
excessiva, ou seja, o pensamento de que lá na frente - no fim do mês, do ano,
ou da vida - será possível colocar a bagunça das finanças em ordem.
“É
a lógica da resolução de Ano-Novo, de fazer algo que não conseguiu no ano que
começa, ou na próxima segunda-feira. Para sair disso, a pessoa precisa ter a
consciência de que não consegue resolver os problemas e buscar uma solução
agora, sem jogar para o futuro”, recomenda.
No
caso das finanças pessoais, Adriana sugere que se faça um controle do orçamento
semanal. Será preciso anotar os gastos e compará-los ao salário correspondente
a sete dias.
“A
pessoa precisa descobrir quanto ganha por semana porque isso afeta a percepção
na hora de gastar. Fazer a planilha de um mês é bom, mas é muito tempo. Em 30
dias, as contas mentais viram uma verdadeira bagunça na cabeça”, afirma.
Além
disso, com a avaliação semanal, a pessoa consegue perceber se evoluiu, ou seja,
se conseguiu economizar, e pode ter uma sensação de recompensa. “É uma forma de
prevenir a falta de dinheiro e, assim, de não recorrer ao limite do cheque
especial”, diz.
Recebeu doação ou herança? Aja como empreendedor
Rytenband
diz que uma armadilha acomete a pessoa que recebeu doação ou herança. Com medo
de se responsabilizar pelo retorno futuro do que recebeu, tende a ficar
paralisada, sem fazer ajustes com base no melhor risco e retorno.
“É
o efeito doação, que induz a pessoa que recebeu imóveis ou carteira de
investimentos como herança a não conseguir atualizar esses bens, de modo que
eles possam continuar gerando retorno”, explica.
Segundo
ele, esse é um hábito comum. Acontece com quem recebe imóveis em herança e não
avalia se eles estão em bairros que passam por algum processo de
desvalorização. Assim, não vende e vê o bem perder valor.
“Ou
mesmo pessoas que recebem uma carteira de aplicações em herança e não mexem,
não avaliam as mudanças de cenário que tornam ruins algumas categorias de
investimentos. No fundo, não querem se responsabilizar e têm medo de dilapidar
o patrimônio”, diz.
O
que acaba acontecendo, na maioria dos casos, é que o patrimônio acaba sendo
reduzido, com retiradas de herdeiros e nenhuma gestão dos recursos. O conselho
de Rytenband é ter uma postura empreendedora diante de doações e heranças, para
dar continuidade à evolução do patrimônio que o parente se esforçou em
construir.
Poupar é bom, mas investir é melhor
Poupar
é uma coisa, investir é outra. Adriana, da Oficina de Escolhas, diz que o
hábito de guardar dinheiro todo mês deve ser feito por meio do recurso de
aplicação automática que os bancos disponibilizam. “Defina uma data no começo do
mês para que o dinheiro vá automaticamente para a poupança. Primeiro pague a si
mesmo”, recomenda.
Depois
que vira hábito, a pessoa toma gosto por guardar dinheiro. E aí vem o próximo
passo: fazer o recurso crescer. Para isso, é preciso alocá-lo em investimentos
ou aplicações financeiras.
Rytenband
diz que o investidor deve buscar aplicações que superem a inflação e não se
acomodar com o dinheiro guardado na caderneta. “Caso contrário estará apenas
mantendo o poder de compra e o esforço de se privar do consumo terá sido em
vão”, diz.
Adriana
explica que o segundo passo após criar o hábito de guardar dinheiro é procurar
um consultor financeiro ou alguém de confiança, em banco ou corretora, para uma
conversa. “Eu diria que é preciso buscar uma orientação de acordo com o seu
perfil e fase da vida. Principalmente é preciso descobrir qual o perfil de
risco e o prazo que pode esperar pelo retorno”, diz.
As
instituições financeiras aplicam o questionário de Análise de Perfil do
Investidor (API) para verificar se a pessoa tem perfil de risco conservador,
moderado ou agressivo. Mas é sempre bom fazer uma reflexão pessoal sobre os
próprios limites.
Adriana
recomenda que se pergunte, primeiro, se pode perder o valor a ser investido em
uma aplicação sem que tenha problemas financeiros e orçamentários. “Mesmo que
possa perder, a pessoa aguenta o tranco internamente? Tem gente que não suporta
a perda. Essa pergunta ajuda a ter uma ideia sobre o perfil de risco”, diz.
Outras
questões boas, principalmente para as pessoas que detectam que precisam de
aplicações de baixo risco, referem-se ao prazo. “Tenho tempo para esperar o
retorno da aplicação? Tenho condições de esperar por quanto tempo? Vou
aguentar?”.
Adriana
diz que a pessoa precisa saber o prazo que consegue esperar para que não fique
pulando de aplicação em aplicação e, desta forma, perdendo dinheiro com
impostos e taxas. “A gente não nasce sabendo perder e esperar. É bom fazer essa
autoavaliação para ir treinando, como se faz em musculação, para ganhar resistência”,
conclui.
Por
Rejane Tamoto
Fonte
Terra Economia