No
Direito, a palavra escrita é o principal veículo de comunicação. Ninguém põe em
dúvida que este não é o único requisito para o sucesso, pois a oratória, expressão
corporal, apresentação pessoal, habilidade no trato com as pessoas e outras
formas de conduzir-se são essenciais.
Todavia,
no Brasil prepondera o processo escrito sobre o oral. Portanto, petições,
memoriais, recursos e outras peças são a forma de tentar convencer o julgador
do acerto da tese adotada. Transmitir o direito a quem o decide é uma arte que,
se não for bem utilizada, pode pôr a perder todo um trabalho.
Mas
a relevância da escrita não se resume a petições junto ao Poder Judiciário. Vai
muito além. Trabalhos acadêmicos serão examinados por um professor ou uma
banca. Cartas ofertando serviços serão avaliadas pela diretoria. Orientações a
clientes não podem suscitar dúvidas de interpretação. Decisões administrativas
ou judiciais necessitam levar ao interessado, com clareza, qual a sua situação
jurídica. E assim por diante, nas múltiplas situações que a riqueza da vida nos
proporciona.
No
entanto, ainda que isto seja óbvio, cada vez mais os estudantes e
profissionais, principalmente jovens, mas não só eles, têm dificuldades de
transmitir, de forma clara e correta, o que lhes passa na cabeça.
A
veiculação equivocada pode trazer consigo duas diferentes espécies de
dificuldades: erros gramaticais e redação incompreensível. Ambas, de formas
diferentes, prejudicam a exposição dos fatos.
Os
erros de português podem ser de pequena gravidade e em nada atrapalhar a
exposição dos fatos. Por exemplo, a nova redação, fruto do acordo Ortográfico
da Língua Portuguesa, ainda não foi absorvida pela maioria das pessoas.
Portanto, colocar idéia com acento agudo, já abolido, não dificultará o
entendimento de quem lê e, portanto, nenhum prejuízo causará.
Já
dirigir-se a um cliente com a construção: “Quero agradecê-lo pela confiança”
suscitará dúvidas sobre a competência do profissional e, eventualmente, poderá
até resultar na recusa de contratação. O verbo agradecer é transitivo indireto,
portanto o pronome deve ser lhe e não lo, usado com verbos transitivos diretos.
Muitas
vezes confunde-se há e a em expressões de tempo. Há com h indica passado, por
exemplo: “O réu há muito vinha praticando as infrações”. Para exprimir tempo
futuro, diz-se: “Ela, daqui a dois dias, devolverá a criança ao pai, como
combinado”.
Há
muitos erros no emprego da crase, que merecem atenção. Por exemplo, só pode ser
usada antes de palavras femininas. A conjunção que atrai o pronome se (p. ex.,
“é preciso que se apresentem amanhã” e não “é preciso que apresentem-se
amanhã...”).
O
particípio do verbo chegar é chegado e não chego, como muitas vezes se diz e se
escreve. Aonde só deve ser usado após verbos transitivos indiretos, que pedem a
preposição a; em outros casos usa-se onde.
Estas
falhas de redação, todavia, vêm recentemente sendo sobrepujadas por descrições
incompreensíveis, problema absolutamente diverso e até mais grave. Sim, mais
grave, porque o leitor simplesmente não entenderá o que está escrito.
O
que leva uma pessoa a transmitir de forma confusa as suas ideias?
Certamente,
não há um fator único. Uma pessoa filha de imigrantes provavelmente terá mais
dificuldades com o português, que poderá ser mais pobre em sinônimos e em
construção de frases. No passado, alguns eram criados falando o idioma de seus
pais (por exemplo, alemão) e só aprendiam o português quando entravam na
escola.
Outro
fator pode ser a falta de boas leituras. A era da tecnologia, com propostas
visuais muito mais atraentes, desestimula a leitura de livros, revistas ou
jornais impressos. É certo que uma pessoa que na infância usou seu tempo apenas
com vídeos ou jogos eletrônicos terá maior dificuldade de exteriorizar o que
pensa. E não só para escrever, mas também para falar.
Pode
haver também uma dificuldade de concatenação de ideias. Por vezes, o cérebro
não raciocina com uma sequência lógica e as pessoas expõem os assuntos que lhe
vêm à mente de forma desordenada. Isto é comum em petições que vão e voltam ao
mesmo assunto, repetindo-o inutilmente e cansando o leitor.
Este
tipo de dificuldade não é privativo de jovens estudantes. Alcança profissionais
já colocados no mercado de trabalho, por vezes com titulação acadêmica ou até
mesmo ocupando importantes posições profissionais.
Artigos
de doutrina, muitas vezes, têm uma escrita envolvida em tantas frases confusas,
em ordem indireta e com palavras em desuso, que não se sabe se o autor não
consegue ser claro ou se assim redige para mostrar erudição. O resultado será
sempre negativo, porque suas ideias não serão transmitidas simplesmente por não
serem compreendidas. Mesmo que os leitores não o revelem, temendo ser tidos por
ignorantes.
Petições
iniciais merecem cuidado. Uma boa técnica para evitar a escrita dispersa é
organizar as ideias em bloco. Por exemplo, primeiro descrever os fatos (quem,
quando e onde), sem detalhes inúteis. Só depois dar as razões de direito, aí
mencionando normas, doutrina e jurisprudência, estes só se o caso for complexo.
Finalmente, o pedido, que deve ser certo e determinado, pois a sentença
baseia-se nele (princípio da correlação).
Relatórios
de acórdãos, frequentemente, não informam qual a controvérsia. Por excesso de
trabalho, com certeza, muitas vezes limitam-se a copiar trechos da sentença e
não expõem ao leitor o que está sendo discutido. Por vezes, a própria ementa
não traduz o que se decidiu. Péssimo.
Que
fazer? A solução é simples: é preciso repensar a forma de comunicação escrita.
Para muitos, evidentemente, nada há a ser feito, redigem bem e só lhes resta
comemorar esta vantagem na competitiva vida profissional. Para os outros é
preciso mudar.
O
problema vem da base, evidentemente. No entanto, aqui não se tem a pretensão de
encontrar solução para todos os problemas do ensino no Brasil. O campo de
análise é mais restrito e menos pretensioso.
A
primeira medida deve partir do interessado, seja estudante de Direito ou um
profissional já com direito a vaga especial na garage, sob o título de idoso.
Quem quer se aprimorar não aguarda oferta, vai à procura.
Mas
aos que não têm tal poder de iniciativa, as Faculdades de Direito devem
propiciar aos seus estudantes cursos especiais ou suplementares de português e
redação. Professores especializados ensinarão técnicas de transmissão de
ideias, eliminando-se, por exemplo, palavras inúteis, frases desconexas e
redações confusas.
A
OAB poderia fornecer cursos específicos aos interessados, que poderiam ir além
da redação, incluindo também técnicas de estilo. Por exemplo, orientando a
evitar-se nas petições o excesso de negrito ou frases em vermelho, que dão à
peça aparência de baixa qualidade.
Tal
tipo de curso revela, inclusive, vícios de linguagem dos quais o autor não se
dá conta ou escrita incompreensível aos mais novos. Por exemplo, escrever
sempre na ordem indireta, o que dificulta a compreensão ou escrita totalmente
fora de época como “o ilustre representante do parquet” ou “nesse Egrégio
Areópago”.
Em
suma, estudar, seja qual for a idade ou a posição profissional ocupada, jamais
deve ser vergonha para ninguém. Ao contrário, revela grandeza. Por outro lado,
faculdades de Direito, instituições públicas, escritórios e demais
interessados, devem manter cada vez mais elevado o nível dos seus estudantes ou
profissionais, pois isto só fará crescer o seu conceito.
Por
Vladimir Passos de Freitas
Fonte
Consultor Jurídico