Prédios residenciais e comerciais agora terão que
avaliar suas condições periodicamente
Para especialistas, legislação só terá resultado se
todos os condôminos participarem
Incêndio,
vazamento de gás, queda de marquise. Tragédias como essas expõem um inimigo
comum e quase sempre invisível: a falta de manutenção de edifícios. Pois duas
novas leis, uma municipal outra estadual, publicadas em março, acabam de tornar
obrigatória a autovistoria em prédios residenciais e comerciais, que no caso do
Rio, deverá ser feita a cada cinco anos. Só que será preciso preparar o bolso:
os laudos podem sair bem caros.
Sancionada
pelo prefeito Eduardo Paes há dez dias, a lei complementar 126 estipula multas,
para os prédios que não cumprirem a determinação, que podem chegar ao valor
usado para cálculo do IPTU do imóvel. E ainda estabelece que todos os laudos
sejam enviados à prefeitura, indicando as condições de conservação,
estabilidade e segurança, além, é claro, a necessidade, ou não, de obras
reparadoras.
Para
as outras cidades do estado, vale a lei 6.400/13: vistorias a cada cinco anos,
para imóveis “com mais de 25 anos”; e a cada dez, para prédios “com menos de 25
anos” — só não especifica o que acontece com os de 25 anos. Todas as
edificações de três ou mais pavimentos e as que tiverem mil metros quadrados ou
mais de área construída são obrigadas a fazer a vistoria, que deverá verificar
desde as condições da estrutura e subsolo até as instalações elétricas,
hidráulicas, sanitárias, de gás e de prevenção de fogo e escape.
Até dois meses e R$ 20 mil por vistoria
—
Uma vistoria tão completa demanda tempo, pode levar até dois meses dependendo
do tipo de construção, do tamanho e da idade do prédio. Tenho medo que, com a
obrigatoriedade, se crie um checklist para vistorias rápidas e sem a realização
de todos os testes necessários — pondera Antero Parahyba, engenheiro
especialista em vistorias e prevenção de acidentes.
É
por isso que é importante definir o modelo dos laudos técnicos. Até mesmo o
preço das vistorias depende disso. Hoje, empresas que já atuam nesse mercado
cobram de R$ 1.200 a R$ 20 mil, dependendo do tipo de análise, dos testes a
serem feitos, do tamanho e da idade da construção. Mas a criação desse modelo
só será possível com a regulamentação das leis pelas prefeituras. Até lá, dizem
administradores de condomínio, o melhor é esperar.
—
Não há como se antecipar. Não sabemos ainda o que vem com a regulamentação, nem
o tempo que isso vai demorar — diz Alexandre Corrêa, vice-presidente do
Secovi-Rio, acrescentando que, pela lei municipal, condomínios que apresentarem
problemas durante as vistorias terão prazo para resolvê-los, e depois, direito
a uma nova checagem e nova avaliação. — Agora, se o prédio já tem problema
conhecido, é melhor resolver logo. Até porque o problema vai aparecer na
vistoria.
Ou
seja, em caso de reprovação inicial, em vez de uma, são duas vistorias. O que
mexe ainda mais no orçamento dos condomínios, que precisam começar a se
organizar para incluir os novos gastos em suas despesas.
—
Como as vistorias serão quinquenais, os condomínios podem se planejar para
parcelar esse valor ao longo desses cinco anos — ensina Fernando Schneider,
diretor superintendente da Apsa administradora, que tem parcerias com empresas
de manutenção e costuma oferecer esse tipo de serviço a seus condomínios. — Mas
eram questões mais simples, de manutenção.
Para
as vistorias previstas pela lei, no entanto, é preciso contratar profissionais
ou empresas legalmente habilitados pelo Crea (Conselho Regional de Engenharia e
Agronomia) ou pelo CAU (Conselho de Arquitetura e Urbanismo), já que só esses
profissionais poderão assinar os laudos técnicos. Presidente do CAU, Sydnei
Menezes acredita que esse é um avanço da lei:
—
A contratação do profissional habilitado garante um serviço competente e legal,
e isso precisa ser compreendido pela sociedade.
Para
Agostinho Guerreiro, presidente do Crea, a vistoria não deve ser feita só por
um tipo de profissional, já que cada área exige um especialista:
—
Por mais conhecimento que tenha, um engenheiro civil não pode verificar a parte
elétrica, por exemplo.
Vale
ressaltar que, pela lei estadual, os síndicos ficam responsáveis pela
realização da vistoria, podendo ser responsabilizados em casos de acidente.
Conscientização para uma nova cultura
Com
um peso desse nas costas é natural que síndicos fiquem preocupados. Tanto pelo
aumento das despesas quanto pela possibilidade de responsabilidade civil em
casos de acidentes. Para Alexandre Corrêa, vice-presidente do Secovi-Rio, no
entanto, o síndico dificilmente será responsabilizado sozinho.
—
Mesmo com a obrigatoriedade da lei, será necessária a realização de uma
assembleia para aprovar, ou não, a vistoria. E caso a assembleia não aprove, o
síndico não poderá ser responsabilizado caso aconteça alguma coisa — defende
Corrêa, acrescentando que essa questão é muito mais de consciência dos
proprietários. — As pessoas superestimam o valor do síndico, mas ele é apenas
um administrador, um representante legal. A obrigação é do condomínio, que é
sobre quem incide a multa.
Especialista
em direito imobiliário, o advogado Hamilton Quirino acredita que exatamente por
isso é tão imprescindível que todos os condôminos estejam conscientes da
importância da aplicação da lei. Para ele, não se pode deixar a responsabilidade
nas mãos dos síndicos:
—
A manutenção predial só será completa se todos participarem, pois além da
estrutura interna, é preciso analisar as instalações e as obras já realizadas
no interior dos vários apartamentos. Deve ser criada uma nova cultura da
prevenção predial. Como se faz hoje um check up completo para aferir a saúde,
será preciso fazer um check up completo dos prédios.
Quirino
avalia que uma medida a ser considerada é alterar as convenções.
—
A questão é que só assim se pode exigir que qualquer obra a ser feita
internamente seja submetida à administração do condomínio.
Diretor
do Centro de Prevenção Rio, consultoria especializada em prevenção de
acidentes, Marcelo Brocchi, que atua também na manutenção e vistoria predial,
acredita que o ideal é que sejam feitas vistorias menores também em períodos
mais curtos:
—
Se é feita uma revisão a cada dois anos, o condomínio gasta menos pois se
antecipa aos problemas e não chega ao extremo de ter que fazer uma obra
complexa — diz Brocchi, lembrando que muitos acidentes acontecem porque são
contratados profissionais desqualificados para os serviços. — Não se pode
chegar num prédio de 40, 50 anos e colocar um split no lugar de um ar
condicionado de 7 mil btus ou instalar um cooktop sem a fiação correta. Tudo
tem que ser devidamente adequado.
Por
Karine Tavares
Fonte
O Globo Online