A
conciliação, ao contrário do que se pensa, não é uma novidade. Para ficar
apenas no Direito brasileiro, ela já constava da Constituição de 1824, que
assim dispunha, no seu artigo 161: “Sem se fazer constar, que se tem intentado
o meio da reconciliação, não se começará Processo algum”.
Durante
a história do Direito brasileiro a conciliação sempre esteve presente.
Principalmente através dos Juízes de Paz, função praticamente extinta com a
Constituição de 1988, que reduziu suas atribuições a celebrar casamentos. Na
esfera trabalhista, a CLT, no distante ano de 1943 já tornava obrigatória a
tentativa de conciliação (artigo 846). Na Polícia eram também feitos acordos,
através dos Termos de Bem Viver. O Ministério Público sempre fez este
importante trabalho de pacificação social. O Código de Processo Civil de 1973,
no artigo 447, determina a conciliação, porém nunca despertou muito interesse,
limitando-se a uma indagação formal do juiz em audiência.
Pessoalmente,
sempre considerei o acordo a melhor forma de por fim ao conflito. Como juiz
federal, em uma época em que se sustentava “o princípio da obrigatoriedade da
ação penal”, tive a oportunidade de passar ao largo deste dogma e promover
acordos entre o réu e o MPF, logo na primeira audiência. E assim, condenando a
uma pena branda ou absolvendo, se punha fim a inúteis ações de contrabando e
outras sem maior significado.
O
tempo passou e, depois da vigência da Constituição Federal de 1988, o sistema
de Justiça brasileiro tornou-se insustentável. Os Juizados Especiais, onde a
conciliação é o grande objetivo, foram, em 1995, o primeiro passo. O sistema de
conciliação na segunda instância foi implantado no TRF da 4ª. Região, em 2004,
em ações do Sistema Financeiro da Habitação. A Semana da Conciliação implantada
pelo CNJ em dezembro de 2007 (Ministra Ellen Northfleet) colocou o tema na
agenda do Poder Judiciário.
De
lá para cá muitas iniciativas boas ocorreram. Entre elas, a criação de sistemas
de conciliação nos Tribunais de Justiça, especialização da 26ª. Vara Federal de
Porto Alegre em conciliações e, na Polícia de São Paulo, Núcleos de Conciliação
da Polícia Civil – NECRIM.
Agora
o novo CPC eleva a conciliação a um patamar mais alto, dispondo no artigo 3º, §
3o, que a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de
conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e
membros do Ministério Público. Nada menos que 10 artigos (165 a 175) tratam das
medidas de conciliação e mediação.
Pois
bem, diante dessa tendência, estão os currículos das Faculdades de Direito
ensinando os futuros profissionais do Direito a negociar acordos? Como se saem
os operadores jurídicos nessas negociações?
O
preparo dos profissionais começa a despertar interesse. As Escolas da
Magistratura vêm capacitando juízes para esta nova tarefa, que exige paciência,
psicologia e uma boa dose de boa vontade. No Ministério Público idem, inclusive
porque Promotores celebram compromissos de ajustamento de conduta, nos quais se
exige perspicácia, habilidade e, evidentemente, conhecimento da matéria.
Porém
o importante é que isto tudo venha lá dos bancos da Academia. Tão importante
como saber lutar no processo é saber negociar. E sobre isso nada se fala no
mundo do Direito. É assunto visto com certo desprezo, algo de interesse de
outras áreas do conhecimento, como Negócios, Marketing ou Administração de
Empresas.
Não
me parece que o tema deva ser menosprezado. Afinal, ele será essencial na vida
do profissional do Direito. Imagine-se o recém formado sendo procurado por seu
primeiro cliente. Vendo aquele ou aquela jovem à sua frente, o cliente terá um
momento de insegurança. A conversa ente ambos, a exposição dos fatos e a forma
de tratar dos honorários farão parte da negociação preliminar. E,
evidentemente, será um desastre se o jovem bacharel demonstrar timidez ou
desânimo.
As
tratativas sobre o pagamento dos honorários, por exemplo, é algo que exige
perspicácia. Não podem ser excessivos, porque o cliente procurará outro, nem
podem ser ínfimos, porque daí o cliente não valorizará o jovem profissional. O
meio termo deve ser procurado, considerando-se a complexidade do caso e a
situação econômica do interessado. Tudo deve ser exposto com clareza e depois
colocado em contrato formal.
Mas
suponha-se que a ação prossegue e em Juízo é aberta a negociação. Pedir mais
para poder ceder é técnica de todos conhecida. Ofender-se com uma proposta
baixa é infantil e fecha as portas para a negociação. Conversar com o espírito
desarmado, expondo os pontos altos do seu cliente, é forma de valorizar a
proposta feita. Argumentar com as despesas do processo pode dar bom resultado.
Por exemplo, mostrando à parte contrária que será necessária perícia, o que
representará necessidade de depositar honorários provisórios do perito e fará o
processo ter andamento retardado.
A
demora da Justiça é outro fator a entrar na negociação. Evidentemente, ela só
interessa ao réu. Informar, sem agressividade, que a eventual procedência da
ação significará interposição de recursos de apelação ao TJ, especial ao STJ e
extraordinário ao STF, poderá ser um grande estímulo ao autor para concordar
com a oferta.
Se
não se chegar a um ponto comum de interesse e a ação prosseguir, deve sempre
ser mantida a porta aberta. Quero com isso dizer que nunca se deve terminar a
tentativa em frases ofensivas ou gestos irados. Menos ainda entre os advogados,
pois o conflito não é deles, é das partes, não tendo sentido que briguem. É bom
lembrar que na segunda instância também pode haver nova tentativa de acordo.
Muitos Tribunais de Justiça valem-se de Desembargadores aposentados para
conduzir conciliações, com muito sucesso.
A
ação pode prosseguir, o autor ganhar e daí surgirem dificuldades na execução.
Discussões sobre o índice de correção monetária podem atrasar a vitória de fato
por anos, com novos recursos a todas as instâncias. Então, na execução, também
é preciso saber conduzir a conciliação.
Não
é diferente na esfera administrativa. O jovem advogado pode acompanhar seu
cliente em audiência no IBAMA e lá ser proposto um acordo na esfera ambiental,
lavrando-se um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). A negociação dos termos
do acordo é essencial. Pode interessar ao órgão público, que sabe que cobrar
uma multa significa anos de discussões, e também ao infrator, que pode preferir
ver-se livre da obrigação. No entanto, não deve o advogado esquecer que o
acordo administrativo não exclui a responsabilidade civil e a penal. Isso deve
ser levado em conta na transação.
Mas
se os cursos de Direito não ensinam esse tipo de prática, como serão
exercitadas?
Aí
se abrem três vias. A primeira é as Faculdades ou Escolas de Direito ofertarem
a matéria como optativa, acompanhada de noções de oratória, redação e outras
similares. A segunda é o estudante ou o jovem bacharel procurar cursos que
ofertem esse tipo de conhecimento. Atualmente a oferta é grande e não só
presenciais como também à distância. A terceira é comprar livros feitos para a
área de negócios, onde muito pode ser aprendido.
Assim,
se estamos vivendo tempos de revitalização da conciliação na Justiça, é preciso
estar preparado para o desafio. Disto poderá resultar o sucesso ou o fracasso
do jovem profissional. Mãos à obra.
Por
Vladimir Passos de Freitas
Fonte
Consultor Jurídico