Assunto que está sendo cada vez mais
discutido é o direito do consumidor, principalmente em épocas de comércio
online e ofertas que nem sempre são o que parecem. O que fazer quando o produto em questão
custa “a metade do dobro” ou um item está sendo vendido por um preço
inacreditavelmente abaixo do valor tradicional? Para tentar sanar algumas
dessas dúvidas, nós conversamos com o Dr. Vinícius Zwarg, que é advogado
especialista em direito do consumidor e eletrônico. O comércio eletrônico cresceu muito nos
últimos anos graças às facilidades proporcionadas pela internet. Contudo,
muitas pessoas têm sofrido com ofertas que não são o que parecem e não
funcionam exatamente como o prometido. Outros casos envolvem golpes e promessas
de remessas nunca feitas.
Black fraude e
compras online quais so os seus direitos
Por outro lado, esse tipo de negociação pode
ser mais confortável para alguns consumidores, pois a internet oferece muito
mais informação sobre os produtos que um vendedor em uma loja jamais poderia
fornecer. Além disso, a ausência desse personagem na negociação torna a compra
menos “forçada”, já que o consumidor não se sente pressionado pela figura do
vendedor.
O comércio online também é capaz de oferecer
produtos — especialmente eletrônicos — por valores muitas vezes inferiores ao
das lojas físicas. Isso acontece principalmente pela diminuição nos custos
operacionais dessas empresas, que nem sempre possuem estruturas muito grandes.
É justamente aí que Zwarg comenta sobre
outro problema, que é a informalidade de alguns estabelecimentos. De acordo com
ele, é sempre importante verificar muito bem a loja antes de realizar a compra:
esta loja tem tradição? Ela tem um histórico de vendas anteriores? Existem
muitas reclamações sobre ela? Essa loja existe há quanto tempo? Ela possui um
endereço físico?
Note que, nesse caso, um endereço físico não
significa necessariamente uma loja física, mas um endereço de um escritório
comercial que pode ser acessado com facilidade em caso de problemas.
Outras medidas importantes de segurança já
são bem conhecidas do público, mas valem uma nota: ter a máquina com antivírus
instalado e atualizado e verificar sempre o sistema de segurança da loja online
(o famoso “cadeadinho”).
Quanto tempo de
garantia?
E sobre a garantia legal? Quanto tempo a
empresa é obrigada a fornecer? Segundo Zwarg, a lei brasileira garante 30 dias
para bens não duráveis e 90 dias para bens duráveis. O prazo pode ser estendido
no caso de vícios ocultos, ou seja, problemas que não foram evidenciados de
forma simples e só aparecem depois de determinado tempo. Contudo, esse tipo de
situação exige um laudo técnico que determine a causa do problema.
A situação pode mudar de figura quando a
empresa (ou o fabricante) oferecem 1 ano de garantia por contrato. Nesse caso,
a lei obriga o cumprimento de o que estiver no papel.
O setor automotivo, por exemplo, costuma
oferecer garantia estendida aos consumidores. Com isso, todos os personagens
envolvidos na cadeia têm responsabilidade, desde o fabricante até a loja que
vendeu o automóvel.
No caso de produtos com defeito, o vendedor
também é o responsável pelos custos com o transporte/troca/conserto do produto
com problema.
Negociação em redes sociais
Atualmente é comum vermos empresas e lojas
com perfis em redes sociais. Enquanto algumas utilizam as redes apenas para
divulgar seus produtos, outras aproveitam a proximidade com os clientes para
oferecer descontos exclusivos para todos ou entrar em acordos especiais com determinadas
pessoas.
Segundo o Dr. Vinícius Zwarg, a loja é
obrigada a respeitar o princípio da isonomia, que diz que todos os clientes são
iguais e não podem sofrer preconceito, por exemplo: a loja se recusar a vender
algo (ou cobrar mais caro) porque o cliente está mal-vestido.
Contudo, a lei permite aos vendedores
exercer negociações específicas com clientes distintos. Funciona assim quando
um cliente adquire determinados produtos de uma única vez e ganha um desconto
de 20%, por exemplo. Nesse caso, o desconto pode ser dado somente a quem
cumpriu os requisitos. Esse tipo de negociação não fere o princípio da isonomia
se outros clientes também tiverem o direito de negociar as condições com o
vendedor.
Contudo, o advogado ressalta que a internet
ainda é um ambiente muito mais informal que as lojas físicas. Desse modo, mesmo
que algumas lojas discriminem os clientes, ainda é mais difícil de ser
comprovado.
Black fraude e
ofertas pela metade do dobro
A Black Friday chegou ao Brasil com a mesma
proposta original: oferecer descontos incríveis em diversos produtos, inclusive
eletrônicos. A modalidade pegou e a maioria das lojas de comércio eletrônico já
participam do projeto.
Contudo, os comerciantes brasileiros são um
pouco mais espertinhos que os estrangeiros e muitos dos produtos “em promoção”
custam na verdade “a metade do dobro”; ou seja: não existe um desconto real,
apenas a ilusão de que o produto custa mais barato.
De acordo com o advogado, essa prática vai
contra o princípio da boa-fé, que diz que ambas as partes precisam negociar com
lealdade. Ao subir o valor do produto um dia antes para poder oferecer um
desconto no dia seguinte, o vendedor frustra as expectativas do consumidor e
fere o preceito da boa-fé.
Por isso, muitas pessoas têm feito um
registro dos preços de produtos dos quais têm interesse com o objetivo de
compará-los no momento das ofertas. Caso constatem o problema, podem acionar a
loja na justiça.
Contudo, o número de empresas que faz esse
tipo de coisa está diminuindo — afirma Zwarg —, uma vez que os consumidores já
reconhecem com facilidade essas atitudes. Logo, para prezar pelo nome e pela
reputação, elas já escolhem colocar menos produtos e com descontos menores nas
promoções, mas sem tentar “enrolar” os consumidores.
Erro de digitação ou
oferta milagrosa?
Você já se deparou com alguma oferta
inacreditável em algum site de comércio eletrônico? Quem sabe um computador de
último modelo que normalmente custa R$ 15 mil saindo por apenas R$ 1? Se você
comprou um (ou vários) desses e ficou furioso por não receber o produto, saiba
que o errado na história é você.
Da mesma forma que as empresas precisam agir
com boa-fé na hora da venda, os consumidores também não podem tentar se
aproveitar de uma situação que obviamente foi causada por um erro de digitação
— diz o advogado. Mesmo que a lei garanta que os produtos precisem ser vendidos
pela oferta anunciada, existem mecanismos que garantem a proteção da loja em
casos em que o erro é muito evidente.
Na maioria dos casos em que clientes
entraram na justiça para tentar obrigar a loja a vender o produto pelo preço
(errado) anunciado, eles acabaram perdendo. E quem perde arca com os custos do
processo, ou seja, além de não ficar com o produto, o consumidor espertinho
ainda pode acabar tendo prejuízo.
Contudo, a lei também prevê que se o erro
não for tão grotesco, o cliente pode ter o direito de comprar o item pelo valor
anunciado. Imagine um produto que normalmente custa R$ 2 mil sendo oferecido
por R$ 1 mil, no mesmo site. Nesse caso, a situação parece mais com um grande
desconto do que um erro propriamente dito.
Zwarg conclui dizendo que a situação pode
piorar se o cliente for alguém que não possui muita intimidade com o produto.
Nesse caso, a loja pode ser obrigada a cumprir com o compromisso da venda, mesmo
alegando que foi um engano.
Reclamar é preciso,
mas com respeito e coerência
O Reclame Aqui é um site que oferece um
serviço de reclamações relativamente eficiente. Ao postar uma mensagem no site,
os consumidores podem entrar em contato com a empresa para tentar garantir os
seus direitos. Muitas companhias trabalham com o serviço e prezam pela imagem
na rede, resolvendo a maioria das reclamações dos clientes.
O serviço também mostrou que muitas pessoas
— que antes não costumavam reclamar — agora decidiram “botar a boca no
trombone”, já que o site recebe milhares de reclamações todos os dias. Contudo,
Vinícius Zwarg diz que ainda não é possível saber se isso é uma demanda
reprimida (já que antes da internet era mais difícil reclamar) dos consumidores
ou os brasileiros estão mais conscientes de seus direitos e deveres.
Essa facilidade em reclamar também faz com
que muita gente reclame da forma errada — muitas vezes sem ter razão — ou acabe
se exaltando muito, chegando a “perder a razão” na hora da reclamação. O
advogado conta que já houve casos em que o cliente teve razão de reclamar, mas
exagerou tanto que acabou ofendendo a honra do proprietário do estabelecimento.
Ambos entraram na justiça, mas o juiz
considerou que o valor que a empresa deveria devolver ao cliente era o mesmo
que ele deveria pagar de indenização por danos morais ao comerciante. Com isso,
o cliente teria o direito de receber o dinheiro de volta se não tivesse se
exaltado na hora da reclamação.
Deste modo, o advogado deixa claro que é preciso
ter consciência na hora da reclamação e nunca deixar os bons modos de lado,
principalmente na internet.
O governo também já possui um site nos
mesmos moldes do Reclame Aqui: trata-se do Consumidor (www.consumidor.gov.br). O objetivo é
oferecer aos brasileiros mais um canal de reclamação e também levantar
informações sobre a situação do comércio e dos serviços no país.
Apesar dessas facilidades, o modo mais
tradicional de reclamações ainda é o Procon, serviço que, segundo o advogado, é
mais complicado e mais demorado que o Reclame Aqui, mas não permite que as
empresas ignorem a reclamação (algo que pode ser feito no site). Uma reclamação
no Procon gera um processo jurídico; já no site, apenas uma contestação informal.
Ainda assim, Zwarg comenta que o ideal para
os consumidores é semprebuscarem os seus direitos. Se reclamar na internet não
resolver, eles devem recorrer ao Procon.
Produtos importados:
de quanto é a isenção?
Um dos assuntos mais polêmicos relacionados
às compras na internet atualmente é sobre a importação de produtos e sobre os
valores passíveis de isenção. Muita gente acredita que o valor tecnicamente
isento de tarifas é qualquer compra que custe menos de US$ 50. Outras pessoas
acham que esse valor é de US$ 100.
Afinal de contas, qual desses valores está
correto? Para esclarecer essa dúvida, conversamos com Dr. Felippe Breda, que é
advogado especialista em direito tributário e aduaneiro. De acordo com ele,
esses dois valores estão, tecnicamente, corretos.
O Decreto-Lei nº 1.804 de 3 de setembro de
1980 instituiu que as remessas de valor de até US$ 100 (ou equivalente em
outras moedas) estão isentos de imposto de importação quando destinados a
pessoas físicas.
Já a Portaria do MF nº 156, de 24 de junho
de 1999 e a Instrução Normativa SRF nº 096, de 04 de agosto de 1999 dizem que
bens que integrem remessa postal internacional de valor não superior a US$ 50
estão isentos de imposto de importação desde que o remetente e o destinatário
sejam pessoas físicas.
A Portaria também define que compras no
valor de US$ 50 a US$ 500 (ou equivalente em outras moedas) devem ser
enquadradas no sistema de tributação simplificada, que equivale a 60% do valor
aduaneiro da mercadoria.
O responsável pelo desembaraço, nesse caso,
são os Correios, que pagam os tributos ao governo e depois repassam a cobrança
aos consumidores, junto com a taxa de Despacho Postal no valor de R$ 12,
referente ao trabalho de desembaraço. Além desses valores, poderão ser cobrados
outros impostos sobre a mercadoria, como o Imposto sobre Circulação de
Mercadorias e Serviços (ICMS).
O caso é que a lei brasileira diz que nem
uma Portaria e nem uma Instrução Normativa podem se sobrepor a um Decreto-Lei.
Sendo assim, o valor passível de isenção continua sendo os US$ 100 — declarou
Dr. Breda.
Outra situação que causa dúvida nos
consumidores é o termo “gift” (presente). Muitas pessoas acreditam que indicar
no pacote que se trata de um presente resulta na liberação da mercadoria pela
Receita Federal. Contudo, de acordo com o advogado, isso só é válido quando
realmente não se trata de uma transação comercial.
Por Vinícius Zwarg e Felippe Breda
Fonte JusBrasil Notícias