Ainda
que leve tempo, parece inexorável o fim da utilização de papel nos feitos
judiciais, que caminham para a digitalização a passos largos, talvez rápidos
demais. Petições, documentos, decisões existirão em meio eletrônico, mantidos
em eficientes sistemas, sem que nenhuma árvore acabe sacrificada para que o
cidadão veja seu pleito apreciado pelo Poder Judiciário.
Aparentemente,
não há espaço para crítica a esse destino: acabam-se cartórios e arquivos
judiciais atulhados de autos e pó; extirpam-se custos do transporte de feitos
entre instâncias diversas; preservam-se florestas, pois a estrutura de
armazenamento eletrônico dispensa a extração de celulose; atendem-se, em suma,
interesses pragmáticos (como maior eficiência e economia na gestão do sistema)
e simpáticos (como a preservação ambiental).
Não
surpreende que a idéia tenha sido abraçada pela Lei 11.419/06, que admitiu o
uso do meio eletrônico na tramitação de processos. A partir daí, o Supremo
Tribunal Federal encabeçou o movimento reformador. Hoje, papel só recebe
protocolo do STF excepcionalmente, marcando tendência para todo o Poder
Judiciário, que firma propósito de avançar tão rapidamente quanto seja possível
para a extirpação do papel como suporte de atos processuais.
Ocorre
que veio à praça o trabalho acadêmido Medium Matters: Newsreaders’ recall and
engagement with online and print newspapers, apresentado em agosto do ano
passado à Universidade de Oregon (EUA), em que pesquisadores revelam perda de
capacidade de apreensão de informações por quem faz leitura de texto em meio
digital, quando comparado àquele que lê versão impressa.
Em
síntese, o estudo valeu-se de 45 estudantes, divididos em 2 grupos, submetidos
a leituras monitoradas das versões impressas e virtuais do New York Times;
todos responderam questionários, saindo daí alguns resultados interessantes:
dos participantes, 76,9% informaram que sua principal fonte de informações era
a internet, enquanto 19,2% afirmaram que liam também jornais impressos (ou, 3
em 4 dos universitários estavam acostumados a colher notícias na internet,
contra 1 em 5 que o faziam principalmente em meios impressos); os que
participaram dos trabalhos como leitores da versão virtual foram capazes de
mencionar 7,32 novas notícias lidas e 2,82 tópicos referidos, enquanto os que
participaram como leitores da versão impressa foram capazes de indicar 9,56
notícias e 4,2 tópicos (ou, leitor da versão impressa recorda aproximadamente
30% mais novas notícias do que o leitor da versão virtual; e a capacidade de
apreensão das informações essenciais dessas novas notícias foi cerca de 50%
maior nos leitores da versão impressa).[1]
Note-se
que a maioria dos participantes tinha afinidade com o meio eletrônico, o que,
ao contrário do constatado, deveria otimizar a apreensão de informações no
mundo virtual. Além disso, a diminuição na capacidade de apreensão parece não
guardar relação com o nível de esforço empreendido durante a atividade ou com o
talento individual dos leitores; a diferença apontada parece dizer com
diminuição involuntária na capacidade apreensiva, influenciada pelo meio em que
se deu a veiculação da informação.
É
aterrador aplicar à realidade processual as conclusões do estudo, pois, no que
se refere à eficiência na apreensão dos argumentos pelo julgador, petições
apresentadas em papel teriam significativa vantagem sobre as chegadas
virtualmente. E, como se disse acima, o Brasil segue firme para a virtualização
dos feitos, com a morte de atos processuais impressos.
Ora,
a função do Poder Judiciário é prestar serviço virtuoso ao jurisdicionado.
Enquanto não se identificam os meandros existentes entre a tela de computador e
nossos neurônios, ignorar o revelado pelo “Medium Matters” pode levar o sistema
à prestação jurisdicional menos qualificada.
Por
isso tudo, é melhor segurar o andar da carreira rumo à digitalização dos
feitos, refletindo sobre os efeitos das alterações já operadas.
[1].
Registre-se que os detalhes, inclusive o esclarecimento sobre resultados
apresentados em casas decimais – o que se deu pela aplicação do método de
análise de covariança (ANCOVA) –, encontram-se em
http://img.slate.com/media/66/MediumMatters.pdf, mas foram consultados pelo
Escriba em versão impressa, para facilitar a compreensão...
Por
Roberto Soares Garcia
Fonte
Consultor Jurídico