Desde
o advento da Constituição Federal de 1988 estamos vivendo um novo tempo no
sistema legal. As novas normas visam muito mais atender à necessidade de
julgamentos em termos numéricos, tendo esse parâmetro como referência da
prática da justiça; não mais a busca do bem comum, da a justiça em si. A
segurança jurídica foi relegada a segundo plano.
Os
abusos do poder econômico são imensuráveis e, as grandes corporações, apesar
das gritantes condutas ilícitas, estão aí impunes.
Direitos
instituídos por cláusulas pétreas na Constituição Federal são despeitados
rotineiramente.
O
sigilo bancário, antes da Lei Complementar 105/2001, era regrado pelo artigo 38
da Lei 4.595/64, norma esta que dispunha sobre a Política e as Instituições
Monetárias, Bancárias e Creditícias e que criou o Conselho Monetário Nacional.
A
partir desta normatização, as relações jurídicas entre correntista, mutuário,
etc. e as instituições financeiras foram modeladas e revestidas de sigilo
bancário. Assim, dados, informações e/ou documentos revestidos de sigilos
bancários passaram a exigir a autorização judicial para serem exibidos em
procedimentos administrativos e judiciais e, nestes últimos devem, ainda hoje,
serem processados em segredo de justiça.
Sob
a égide desta normatização fora editado o Código de Defesa do Consumidor que,
por seu artigo 43 regrou o funcionamento dos bancos de dados e cadastros de
consumidores e, pelo parágrafo quarto deste dispositivo, dispôs-se que tais
bancos de dados passaram a ser considerados como entidade de caráter público.
A
Serasa fora criada na década de 70 pelas instituições financeiras como um
serviço de banco de dados de proteção ao crédito.
Os
bancos de dados desta empresa eram divididos em dois segmentos. O primeiro com
o registro de dados de negativações de créditos “comuns”, de empresas não
financeiras, ou seja, como os dados de protestos, informações de falta ou
atrasos de pagamentos, de ações de execuções, recuperações judiciais
(concordatas), falências e que, podiam ser consultados, comercialmente, por
qualquer pessoa física e jurídica e, o segundo, tratava-se de um núcleo, este
denominado de Refin, onde as instituições financeiras registravam as situações
de inadimplências de correntistas e, somente as próprias instituições
financeiras tinham acesso.
Tal
situação afrontava o disposto no artigo 5º, inciso X da Constituição Federal e,
mesmo àquela época as instituições financeiras não ousavam inserir dados de
seus clientes inadimplentes no banco de dados destinado a consulta por pessoas
físicas e jurídicas que não bancárias.
Sob
o argumento de que era necessária uma reforma no sistema financeiro nacional
para que ocorresse a queda dos juros nas operações bancárias, fora editada a
Lei Complementar 105/2001 que, no nosso entendimento é inconstitucional.
Dentre
as alterações consolidadas pela referida normatização, em seu artigo 1º,
parágrafo 3º, foram disciplinadas as situações que se caracterizam como
abertura do sigilo bancário e não a sua ilícita quebra e, no seu inciso I
restou disciplinada a troca de informações entre as instituições financeiras
para fins cadastrais, inclusive prevendo o uso de centrais de risco, “sic ut
legibus”:
Artigo 1º As instituições
financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços
prestados.
Parágrafo 3º Não constitui
violação do dever de sigilo:
I – a troca de informações
entre instituições financeiras, para fins cadastrais, inclusive por intermédio
de centrais de risco, observadas as normas baixadas pelo Conselho Monetário
Nacional e pelo Banco Central do Brasil;
O
Banco Central, autarquia responsável por disciplinar e fiscalizar as atividades
bancárias, com o fito especial de enquadrá-las no disposto no artigo 192 da
Constituição Federal, além de criar uma central de risco (SCR), excluiu a
possibilidade de que os dados revestidos de sigilo bancário sejam veiculados em
bancos de dados “públicos”, conforme se depreende de informações veiculadas em
seu site (http://www.bcb.gov.br/?SCRSIGILO
), “permissa data”:
“O SCR e o sigilo bancário
A Lei Complementar 105, de
10.01.2001, em seu art. 1º, parágrafo 3º, determina que não constitui violação
do dever de sigilo a troca de informações entre instituições financeiras, para
fins cadastrais, inclusive por intermédio de centrais de risco, observadas as
normas baixadas pelo Conselho Monetário Nacional e pelo Banco Central do
Brasil;
O CMN, por meio da
Resolução 2.724, de 31.05.2000, dispõe que as instituições financeiras poderão
consultar as informações consolidadas por cliente constantes do sistema, desde
que obtida autorização específica do cliente para essa finalidade.
Em realidade, depende do
tomador de crédito permitir ou não o compartilhamento de dados. Sem a
autorização do cliente, nenhuma instituição financeira pode acessar seus dados
no sistema.
O SCR preserva a
privacidade do cliente, pois exige que a instituição financeira possua
autorização expressa do cliente para consultar as informações que lhe dizem
respeito.
Importante: As pessoas físicas e
jurídicas com registro no Sistema de Informações de Crédito não ficam impedidas
de contrair novos empréstimos e financiamentos. Prevalecerá sempre o
entendimento entre o cliente e a instituição financeira”.
A
criação do SCR do Banco Central efetuada através da Resolução 2.390, de 22 de
maio de 1997, substituída posteriormente pela Resolução 2.724, de 31 de maio de
2000, ambas emitidas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) disciplinaram a
questão.
Tanto
a primeira resolução (revogada) como a que a revogou, estabeleceram a
obrigatoriedade, pelas instituições financeiras, de prestar informações sobre o
montante dos débitos e por garantias dos seus clientes (consumidores de
serviços bancários). Essa obrigação constava do artigo 1º. da Resolução
2.390/97 e está prevista no artigo 1º. da Resolução 2.724/00.
É
de mediana conclusão que a inserção de dados das obrigações contratadas por um
cliente bancário no SCR para fins cadastrais, com remessa a dados concretos e
reais, exaure a possibilidade das instituições financeiras realizarem registro de informações cadastrais
restritivas em central de risco,
Se
quando de uma operação bancária, o Banco Central impõe, como o fito de
preservar a privacidade do cliente, tenha a instituição financeira autorização expressa do mesmo para consultar
seus dados no SCR, como entender que a mesma instituição insira tais dados em
bancos de dados de proteção ao crédito regrados pela lei consumerista, ou seja,
SERASA E SCPC BOAVISTA?
A
partir daí resta patente que, ao inserir dados de clientes em bancos de dados
de proteção de crédito do consumidor, tais como SERASA. SPC, etc., a
instituição financeira “quebra ilicitamente o sigilo bancário” do correntista,
tornando tal inserção ilícita, abusiva, coativa e imoral, já que, pode alcançar
qualquer outro fim, menos aquele disposto na normatização em comento.
É
de razoável interpretação que, na forma daquela normatização, o CMN, Ao
disciplinar a troca de informações interbancárias, para prevenir riscos de
quebra de sigilo bancário, em proteção do titular dos dados em favor das
instituições financeiras, limitou-se circulação de informações, revestidas de
sigilo bancário, no âmbito restrito do SCR, não autorizou qualquer outra
hipótese de veiculação de dados bancários em qualquer outra central de risco.
Ao
inserir informações em bancos de dados públicos, as instituições financeiras
não estão buscando diminuir os riscos no mercado financeiro, mas sim, estão
usando os demais bancos de dados de proteção ao crédito, regrado pela
normatização consumerista, como meio de coagir o suposto devedor a pagar o que
abusivamente exigem, restringindo seu crédito na praça, sufocando-o com a
quebra de sigilo bancário.
Até
onde se tem conhecimento somente o SCR do Banco Central tem seu funcionamento
regrado pelo Conselho Monetário Nacional, o que não ocorre com os demais bancos
de dados de proteção ao crédito.
Ainda,
as informações dispostas em bancos de dados de proteção ao crédito, de caráter
público, não realizam os mesmos parâmetros cadastrais do SCR e, têm o fim de
restringir crédito comercial, baseado em informações de veiculação pública e
não aquelas revestidas de sigilo bancário. Por não se tratarem de informações
privativas, não se exige a autorização do consumidor para que as mesmas sejam
veiculadas.
Ocorre
que, mesmo antes de ingressar com uma ação judicial, as instituições
financeiras já “negativam” o mutuário junto ao SERASA, SCPC BOA VISTA.
Questionada essas ilícitas condutas, o Poder Judiciário afirmava que o artigo
155 do CPC/1973 não restringia a publicidade dessa modalidade de processo, ou
seja, em face das execuções de títulos bancários, ações de exigir contas, ações
revisionais.
Com
o advento do CPC de 2015, por seu artigo 189, III, restou disciplinado que
corre sob segredo de justiça os processos “... em que constem dados protegidos
pelo direito constitucional à intimidade...”.
Ora,
se os só podem inserir dados bancários no SCR do Banco Central e se só podem
ingressar na justiça com a incidência de segredo de justiça nos processos
bancários, resta no mínimo razoável concluir que não estão autorizados a
quebrar o sigilo bancário para inserirem tais dados nos bancos de dados da
SERASA e do SCPC BOA VISTA. Essa conduta é tipificada como crime nos termos do
artigo 10 da Lei Complementar nº 105/2001.
Neste
passo, ao veicular informações de supostos inadimplementos de seus clientes em
banco de dados de proteção ao crédito, a instituição financeira, além do
ilícito penal de quebra de sigilo bancário, realiza ato de coação para cobrança
de valores, o que, afronta o disposto no artigo 42 do Código de Defesa do
Consumidor e, por lógico, afronta o disposto no artigo 5º, inciso X da Carta
Política, ensejando a imediata retirada de tais restrições dos referidos bancos
de dados e indenização prevista no dispositivo constitucional.
Por
Marco Antonio Pizzolato
Fonte
Consultor Jurídico