Ronaldo Gotlib passou por situações de estressse e
alerta devedores sobre seus direitos
O
advogado Ronaldo Gotlib defende endividados há 20 anos e resolveu se passar por
devedor para verificar irregularidades praticadas no processo de cobrança de
dívidas.
Gotlib
contraiu propositalmente dívidas em um financiamento de veículo e na linha de
empréstimo pessoal e descreveu a experiência em no livro virtual gratuito
"O Advogado Devedor", lançado neste mês.
O
advogado conta que a maior parte das cobranças é feita fora do âmbito da
Justiça, geralmente por carta ou telefone, porque as ações judiciais de
cobrança geram custos altos para os bancos.
Para
driblar essas despesas, as instituições financeiras contratam empresas
especializadas em cobrança, com “nomes pomposos e intimidadores”, conforme
define o advogado.
Essas
empresas se anunciam como representantes do banco e formam, na opinião do
advogado, a "indústria da cobrança".
Para
Gotlib, essas empresas terceirizadas fazem o “trabalho sujo” de “infernizar o
devedor”. “Passei por muito estresse. Os devedores são tratados com injustiça
apenas pelo fato de estar devendo, o que não é um crime”.
O
advogado especialista em direito do devedor também é autor do livro
"Dívidas? Tô Fora! – Um Guia para você sair do sufoco" , é presidente
da Associação de Defesa de Direitos e de Pessoas em Situação de Endividamento e
elaborou um Estatuto de Proteção ao Devedor, que pretende levar para análise no
Congresso Nacional. Acompanhe abaixo os principais problemas encontrados pelo
advogado "devedor":
Ligações ameaçadoras
No
financiamento de veículo, cinco dias de atraso foram suficientes para a empresa
de cobrança começar a ligar e pressionar o advogado a pagar os débitos.
Gotlib
relata que as ligações são verdadeiras “torturas psicológicas” e que os
cobradores tratam os devedores com uma intimidade desconcertante. "Os
atendentes, a maioria jovens, geralmente me chamavam apenas pelo nome. Chegaram
a perguntar quando caia meu salário e também a desligar sem me avisar”.
Os
telefonemas foram recebidos durante quase toda a semana, de segunda a sábado, a
partir das 8h da manhã. Cada ligação seguia o mesmo roteiro, e as perguntas
eram repetitivas e insistentes.
O
advogado chegou a ouvir que, caso não pagasse a dívida em até três dias, seus
bens seriam penhorados. “Mas o atendente não informou que a regra só vale ao
final de um processo judicial, obviamente", diz Gotlib.
Na
opinião do autor, as empresas fornecem informações falsas sobre a consequência
da inadimplência com o intuito de intimidar. Essa infração deve ser denunciada
ao Procon.
Quando
o atendente não obtinha uma resposta satisfatória sobre quando o advogado
conseguiria pagar a dívida, ameaçava continuar ligando de forma constante. “Eu
respondia que não sabia quando ia ter dinheiro para pagar. Certamente, essa
resposta não ia mudar depois de apenas duas horas”.
Se
o advogado não atendia as ligações, a empresa enchia sua caixa de mensagens no
celular com recados para retornar as chamadas com urgência. "Chegaram até
a ligar para a minha mãe, ignorando o fato de que não moro com ela e ela nada
tem a ver com minha situação financeira", conta.
Os
telefonemas foram feitos a partir de diversos números de celular, até mesmo com
prefixos diferentes, que impedem a identificação da empresa. “Isso me obrigava
a atender as ligações em locais impróprios”, afirma Gotlib.
Caso
a prática seja frequente e for usado um tom ameaçador, ela é irregular. “O devedor
pode proibir ligações e pedir indenização por assédio moral”.
Telemarketing jurídico
No
caso da dívida na linha de empréstimo pessoal, as ligações para Gotlib foram
inicialmente feitas por gerentes do banco, que não respondiam aos
questionamentos do advogado quando ele perguntava detalhes sobre a dívida.
Em
certo momento, Gotlib recebeu um telefonema de um escritório de advocacia. Ao
questionar se a atendente era advogada, a funcionária respondeu que era uma
negociadora. “O intuito é intimidar e assustar o devedor. Advogados somente
podem realizar cobranças pela via judicial, e não por telefone”.
Nesse
caso, é indicado anotar os dados do escritório (nome, CNPJ, inscrição na OAB e
endereço) e denunciar a infração à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) da
região.
O
devedor, por lei, não pode ser obrigado a pagar uma dívida maior do que o valor
de sua renda ou de seus bens. "A expressão popular 'Devo, não nego. Pago
quando puder' é verdadeira", diz Gotlib.
A
dívida não prescreve (veja os dez passos para renegociar a dívida com o banco),
mas o direito de cobrar acaba após cinco anos.
Falta de informação
De
acordo com o advogado, o consumidor tem o direito de receber uma planilha com a
evolução da dívida, que inclua o valor do empréstimo, a taxa de juros, multas,
correção monetária e valor final do débito.
Gotlib
pediu a planilha aos gerentes do banco, mas recebeu apenas uma carta avisando
que seu nome seria inscrito no banco de dados de uma empresa de proteção ao
crédito. Uma segunda carta informou que o advogado estava com o nome sujo.
A
instituição financeira pode se recusar a fornecer informações porque a dívida
pode embutir taxas irregulares, segundo o advogado. “Geralmente, são custos
relacionados ao processo de cobrança que aumentam o valor da dívida”.
Não
basta que o banco ou a empresa de cobrança anuncie um desconto vantajoso por tempo
limitado para pressionar o devedor a acertar as contas. “Essa vantagem tem de
ser demonstrada ao cliente”, diz o advogado.
Caso
a instituição financeira se recuse a fornecer informações, elas podem ser
requeridas pela via judicial.
Dívida que inclui comissão
Na
hora em que a empresa de cobrança informou ao advogado o valor corrigido da
dívida no financiamento do carro, Gotlib se deparou com um valor mais alto que
o esperado e questionou o atendente. “A comissão da empresa de cobrança estava
incluída no valor”.
Segundo
Gotlib, a prática é um crime contra as relações de consumo, segundo o Código de
Defesa do Consumidor. “O banco que contratou a empresa é quem deve pagar a
comissão, e não o devedor. As empresas não podem se unir para lesar o consumidor”.
O
devedor deve comparar o boleto enviado pela empresa de cobrança com o boleto
disponível no banco para verificar se a cobrança é irregular.
Débitos indevidos
Por
falta de saldo na conta, as parcelas do empréstimo pessoal em atraso foram
descontadas do limite do cheque especial do advogado, o que é ilegal. “Para
receber a dívida, o banco não pode criar uma nova obrigação financeira para o
devedor”, diz Gotlib.
O
limite do cheque especial é pré-aprovado, mas o uso deve ser autorizado pelo
cliente. Mesmo que o correntista já esteja utilizando o limite do cheque
especial, o banco não pode descontar parcelas de outras dívidas nesse valor.
As
parcelas da dívida também não podem ultrapassar 30% da renda líquida mensal do
devedor. É possível suspender cobranças que ultrapassem esses limites, diz o
advogado.
Por
Marília Almeida
Fonte
Exame.com