A Constituição Federal de 1988 trouxe, no seu artigo 133, uma inovação de grande significado, colocando o advogado como partícipe essencial à administração da Justiça. No entanto, esta participação ainda não está bem definida na doutrina e na jurisprudência.
Os poucos estudos que tratam do tema ressaltam, quase que com exclusividade, que o indispensável aí significa a necessidade absoluta de as partes estarem representadas por advogados para ingressar em Juízo. A razão é simples, é absolutamente indispensável uma boa defesa técnica para que as partes tenham bem expostos os seus interesses e que a decisão judicial seja a mais justa possível.
Por exceção, os Juizados Especiais permitem à parte reclamar pessoalmente, nas questões de valor até 20 salários mínimos (Lei 9.099/95, art. 9º). Os Juizados Especiais, na pretensão de serem os sucessores dos Juizados de Paz, buscaram ampliar o acesso à Justiça para os mais necessitados. Não são conhecidas estatísticas sobre o percentual de causas em que a parte não é assistida por advogados.
Ao redigir o artigo 133 da Carta Magna, por certo não passou pela cabeça dos constituintes que o advogado atuaria na administração de Tribunais e Foros, atividade esta restrita aos magistrados e servidores especializados. Sua atribuição é, como coadjuvante, auxiliar no aprimoramento da Justiça.
Mas, se isto é dito e repetido por todos, nem por isso é fácil saber realmente o que significa. Vejamos.
A primeira atuação do advogado é a de ser um pré-juiz, alguém que primeiro toma conhecimento do conflito e que, orientando e aconselhando a parte, pode encerrá-lo. Por exemplo, informando a quem o procura que não lhe assiste razão e que uma ação judicial certamente seria improcedente.
Em um segundo momento, o pode o advogado por fim ao litígio através de um acordo. Isto poderá ser feito com uma simples chamada da parte adversa ao seu escritório, sendo recomendável que no convite se sugira à pessoa que venha acompanhada de advogado. É indispensável que ao redigir uma transação particular, obedeça aos requisitos formais previstos no artigo 842 do Código Civil, a fim de que tenha eficácia de título executivo (CPC, art. 585, II), possibilitando execução em caso de descumprimento.
Na fase judicial, o advogado muito fará peticionando de forma clara e requerendo, a cada impulso processual, o ato judicial seguinte, apontando o artigo do CPC correspondente. Por exemplo, se a matéria é só de direito, logo após a contestação já pede o julgamento antecipado (CPC, art. 330, I). Designada a audiência de instrução e julgamento, leva pronto o memorial com razões finais e, se isto não for possível em razão da prova a ser colhida, vai com anotações para sustentar oralmente (CPC, art. 454). Na ação penal, não arrola testemunhas residentes em uma remota comarca de estado distante para ganhar tempo ou tumultuar o processo. Em recurso ao Tribunal, deixa a sustentação oral para casos controvertidos, evitando fazê-lo quando a matéria é pacífica.
Obviamente, também é preciso sempre estudar e manter-se atualizado nas constantes mudanças da legislação. Darei um exemplo, caso real. O desembargador julga monocraticamente o recurso de apelação (CPC, art. 557). O advogado da parte vencida, ao invés de interpor Agravo para a Câmara (CPC, art. 557, § 2º), entra com Recurso Especial para o STJ. O indeferimento foi inevitável. O que faltou no caso foi estudo, restando a parte altamente prejudicada.
Equívocos desse tipo ocorrem diariamente nos foros. Não há estatísticas, evidentemente. Mas eles são mais comuns do que se imagina e contribuem — além de prejudicar a parte — para uma má distribuição de Justiça.
É importantíssima a colaboração dos advogados, por seus órgãos de representação (OAB ou associações), na apresentação de sugestões para o aprimoramento dos serviços judiciários. O advogado é quem vive as dificuldades burocráticas no dia a dia (p. ex., o tratamento diferenciado em cada cartório ou secretaria de Vara). É sempre oportuno apontar incongruências, práticas nocivas a serem corrigidas e também exemplos de eficiência para serem estendidos a outras Varas.
Finalmente, há o lado da colaboração apontando más condutas, através de representação à Corregedoria. Neste particular, é preciso equilíbrio e objetividade. Acusações genéricas, em linguagem chula e sem provas, não têm a mínima chance de sucesso. É preciso que a acusação seja a um só tempo firme e respeitosa, pois, do contrário, quem representa será visto como um criador de caso. Nada mais.
Além disto, não se deve imaginar que o corregedor alguém que tudo pode. Ele tem, por vezes, resistências dentro do seu próprio Tribunal e dificuldades em abrir um processo administrativo. Ademais, não pode o corregedor quebrar o sigilo de telefone ou requisitar documentos bancários. Isto só pode ser feito judicialmente e aí todos ficam sabendo, principalmente o acusado. Portanto, o sucesso de uma investigação não é algo simples e não depende apenas do corregedor.
Finalmente, registra-se sugestão do professor Fábio Konder Comparato, um dos poucos a aprofundar-se na matéria. Sustenta ele que “seria altamente conveniente que a lei deferisse ao Conselho Federal e aos Conselhos Seccionais de nossa corporação a legitimidade para propor a competente ação penal, nos crimes contra a Administração Pública, não só na hipótese de o órgão do Ministério Público deixar de intentá-la no prazo legal, como ainda na hipótese de ele se recusar a fazê-lo, ao pedir o arquivamento do inquérito policial” (A função do advogado na administração da Justiça, RT v.694, p. 48).
Medidas como as apontadas, algumas bem simples, ajudam sim, e muito, a administração do processo e, consequentemente, a boa distribuição de Justiça. Tais sugestões não são manifestações de ingenuidade, mas sim a lembrança de que participar da administração da Justiça é um compromisso de adesão ético e até mesmo legal, porque a legislação manda que não se formulem pretensões destituídas de fundamento e não se produzam provas inúteis (CPC, art. 14). Adotando-as, o advogado destaca-se como profissional e engrandece a sua classe.
Em suma, o artigo 133 da CF ainda está a merecer análise mais detida. Aos operadores jurídicos cabe complementar a norma constitucional, através de ações, estudos e sugestões. Mãos à obra, o dever é de todos.
Por Vladimir Passos de Freitas
Fonte Consultor Jurídico