quinta-feira, 8 de fevereiro de 2024

CULTIVAR MÁGOAS É ATRASO NA VIDA DOS PROFISSIONAIS DO DIREITO


Os profissionais do Direito, e também os estudantes, costumam guardar mágoas que levam consigo, alimentando-as por longo tempo, às vezes por toda a vida. Na maioria das vezes elas se originam de uma decisão contrária aos interesses do ofendido ou até mesmo de um conflito de opiniões. O fato é que as mágoas azedam as relações entre as pessoas. Mas o que leva, na área do Direito, alguém a sentir-se magoado? Bem, as causas são infinitas. Vejamos algumas a título de exemplo.
Um estagiário pode ofender-se com a chefia porque, ao seu modo de ver, seu trabalho não é reconhecido. Um advogado pode ter mágoa do Poder Judiciário porque um juiz obrigou-o a esperar longo tempo antes de iniciar a audiência e não deu nenhuma justificativa. Um promotor de Justiça pode estar ofendido contra a instituição, porque foi-lhe negado o direito de cursar mestrado no exterior. Um juiz pode ter mágoa do Tribunal ao qual está vinculado, porque suas antecipações de tutela são sistematicamente revogadas. Um candidato em um concurso pode cultivar este sentimento pelo simples fato de não ter sido aprovado.
A mágoa é um sentimento unilateral, quase sempre é ignorado pelo suposto causador. O psiquiatra Augusto Cury mostra com clareza que “ninguém tem o poder de nos ferir, a não ser que permitamos ou que haja lesão física. A virtualidade dos pensamentos nos liberta e nos protege, mas não sabemos usar essa proteção”.[1]
Como reage o magoado? Via de regra isolando-se e internalizando suas queixas. Algumas vezes narrando-as, repetidamente, aos familiares e amigos mais próximos. Frases amargas como: “aquele Tribunal de Justiça é onde mais se pratica injustiça”; “de nada adianta trabalhar muito, auxiliei a Secretaria a dar andamento a todos os processos e não recebi nem um obrigado”; “na Polícia não adianta ser honesto, ninguém reconhece”.
Pouco importa se tem o ofendido razão ou não, e às vezes até pode ter. O que importa é que manter acesa a chama da mágoa causa mal físico e psicológico ao seu portador e que, por vezes, transforma-se em sentimento de profundo rancor ou até mesmo ódio. Os reflexos físicos posteriores são inevitáveis, problemas gástricos, ansiedade, pressão elevada e outros tantos.
Como é visto o magoado? Regra geral como alguém negativo e isto pode resultar em uma má imagem. Ray Grose observa que “obviamente é fundamental que você crie e mantenha a melhor imagem possível e uma imagem que seja a mais adequada à sua organização”.[2]
Mas o que significa imagem adequada ao perfil da organização? Sabidamente, cada instituição, pública ou privada, tem seus valores, suas regras, explícitos ou implícitos. Um escritório de advocacia que atue na área trabalhista a favor do trabalhador, permite que o advogado tenha uma imagem menos formal, inclusive para interagir com a clientela. Diferente será a situação em um tradicional escritório destinado à advocacia empresarial. Aí, para os homens, o terno e a gravata serão obrigatórios.
Órgãos públicos também cultivam seus modelos. Magistratura, Polícia Federal, Ministério Público e outros, colocam-se no termo amplo de organização e seus membros assumem um modelo médio de conduta, adequando-se ao que deles se espera.
A imagem adequada ao perfil da organização não se resume na vestimenta, nos cabelos ou na forma de expressar-se, mas também no comportamento. E aí, seja qual for o local de trabalho, instituição pública ou entidade privada, a higidez mental é essencial para ter-se respeito e ser prestigiado. O magoado, evidentemente, revela perfil inadequado e será colocado de lado.
Evidentemente, desta postura podem advir resultados que influenciarão diretamente na vida profissional do envolvido. Imagine-se uma juíza que, preterida na indicação por merecimento, sinta-se profundamente ofendida porque sempre manteve a Vara em dia, ao contrário dos três incluídos na lista tríplice. Ao externar sua mágoa, o único resultado será obter a antipatia dos integrantes da lista e a repulsa dos desembargadores que não a escolheram. Aceitar o fato, encarando-o como parte da vida profissional, poderá significar entrar na lista na primeira vaga que vier a ser aberta. Não aceitar, pode significar ver seu sonho mais distante.
A mágoa poderá exteriorizar-se de forma direta, como no exemplo acima, ou de forma indireta, pulverizada. Esta costuma dar-se por ação ou  omissão.
Um oficial da Policial Militar pode ter mágoa da Polícia Civil porque levou vários suspeitos ao delegado de Polícia e este não lavrou o auto de prisão em flagrante. Consequentemente, recusa-se a prestar qualquer colaboração à PC, não escondendo a sua repulsa. Na verdade, o oficial da PM não soube lidar com a frustração e não absorveu o fato de que, no sistema judiciário, cada um é uma peça dentro da engrenagem. Todos, vez por outra, são contrariados por um terceiro que poderá rever o ato. Por exemplo, um ministro do STJ sujeita-se a ver seu ato anulado por um ministro do STF e este, em agravo regimental, pelos seus colegas. A revolta só fará  deteriorar as relações entre as duas instituições, sem qualquer vantagem a quem quer que seja.
Outras. A perda de uma importante chefia na Defensoria Pública pode ser a possibilidade de iniciar um curso de mestrado, aproveitando-se a maior disponibilidade de tempo. A decepção com um professor que se mostrou egoísta em um momento decisivo, pode dar oportunidade a conhecer melhor a natureza humana e suas deficiências, tornando o ofendido mais maduro e resiliente.
Vejamos um exemplo de omissão. Imagine-se um servidor da Justiça do Trabalho que, inconformado por não obter reajustamento de seus vencimentos, simplesmente reduz seu trabalho a quase nada. A revolta não é contra alguém em particular, mas sim contra o Congresso e a presidência da República. Qual será o resultado? Simples, as pessoas que dele dependem e que nada têm a ver com a disputa, sofrerão as consequências do atraso nos processos. O magoado, em seu íntimo, saberá que está prejudicando terceiros e isto, psicologicamente, lhe será nocivo.
Do que se falou é possível extrair-se duas conclusões. A primeira delas já ficou implícita, ou seja, o quanto é inútil e nocivo cultivar mágoas. A segunda é que a utilização do tempo dedicado a mágoas deve ser utilizado de forma positiva e, assim, constituir uma poderosa alavanca para a plena realização pessoal.
Em suma, na área do Direito mágoas inúteis devem ser postas de lado e, no seu lugar, a melhor via é ocupar o pensamento com coisas boas e positivas, na busca da transformação dos sonhos profissionais em realidade.

[1] CURY, Augusto. A fascinante construção do eu, 2ª. edição. São Paulo: Academia, p. 126.
[2] GROSE, Ray. Como vender você. São Paulo: Laselva, 2011, p. 11.
Por Vladimir Passos de Freitas
Fonte Consultor Jurídico