terça-feira, 7 de março de 2023

CUIDADOS NA COMPRA DE IMÓVEL

Dúvidas na aquisição de um imóvel? Este artigo reúne dicas preciosas para quem pretende adquirir imóvel usado ou na planta

Para milhares de pessoas a compra de um imóvel é simplesmente a aquisição mais importante de suas vidas.
No Brasil não é diferente, notadamente pelo elevado número de famílias que não possuem imóvel próprio e desejam adquiri-lo.
Não raras vezes, inúmeras pessoas compram imóvel (seja o primeiro ou não) baseadas no sentimento e não na razão, o que é perigoso para o comprador, do ponto de vista fático-jurídico, podendo ele vir a perder o bem e o dinheiro investido.
É preciso ter cautela na aquisição de um imóvel novo ou usado, pois vários são os casos que podem levar à anulação do negócio, por exemplo, documentos falsos, simulação, defeito do negócio jurídico etc.
Quem pretende adquirir um imóvel necessita do amparo de um bom corretor e do auxílio de um advogado, uma vez que o Contrato a ser assinado não é simples como a maioria das pessoas podem pensar, embora em nosso país seja uma “regra” a quase inexistência de participação de advogado na celebração de negócio imobiliário consistente na compra e venda de imóvel, o que merece melhor atenção das partes envolvidas.
Antes de assinar um contrato de compra ou promessa de venda e compra de imóvel, o comprador precisa estar atento a uma série de providências para não transformar seu sonho em verdadeiro pesadelo (desde a análise dos documentos do imóvel e do vendedor até minuciosa vistoria no imóvel, preferencialmente acompanhado por um engenheiro civil).
Por mais forçosa que seja a conclusão de que qualquer aquisição imobiliária sempre envolve riscos que podem levar ao insucesso da compra, há fatores importantes a serem observados com o intuito de minimizá-los drasticamente.

a) localização e arredores: visite a rua onde o imóvel está localizado para ter certeza de que é calma, sem a existência de feira-livre, na porta ou proximidades, sem bares, restaurantes, boates ou outro tipo de comércio sujeito a provocar aglomerações ou tumulto.
Circule nos arredores do bairro para saber as distâncias a serem percorridas para encontrar uma padaria, açougue, supermercados, farmácia, salão de beleza, centro de compras, parque, escolas, hospital etc.

b) orçamento: é imprescindível fazer uma análise financeira adequada do tipo de imóvel que se pretende adquirir, seja ele usado, novo ou na planta.
Certamente, imóveis em bairros nobres são mais caros no preço do metro quadrado se comparados com aqueles encontrados em bairros mais simples.
Infraestrutura, localização, tipo de construção e acabamento são alguns dos fatores que pesam no preço do imóvel.
Vale lembrar que aquela história de que adquirir um imóvel na planta é melhor negócio do que um imóvel usado ou pronto, em razão do preço ser mais baixo, já não mais se justifica na prática, pois os preços estão equilibrados, ou o imóvel usado ou recém entregue pode apresentar um preço de venda menor do que um novo lançamento por determinada incorporadora, cuja obra somente estará pronta daqui três anos ou mais.

c) documentação do imóvel: o imóvel, se usado, deve estar com a documentação em ordem. Os elementos a serem verificados pelo comprador são:
i) a matrícula atualizada, a fim de constatar se quem o está vendendo realmente é o proprietário e se o imóvel não apresenta ônus, como hipoteca, penhora, caução etc.;
ii) certidão atualizada do IPTU, a fim de verificar se o imóvel possui débitos perante a Prefeitura;
iii) certidão negativa e atualizada de tributos municipais, a cargo do vendedor;
iv) declaração de inexistência de débitos condominiais, em se tratando de imóvel localizado em condomínio;
v) pesquisar perante cada ente público (Prefeitura, Governo, União, sem contar as concessionárias e autarquias) se o imóvel que se pretende adquirir é ou não declarado como sendo de utilidade pública, pois seria, no mínimo, desastrosa a compra de um bem que posteriormente venha a ser objeto de desapropriação.
Vale lembrar que na hipótese de existir débitos decorrentes de tributos ou a existência de débitos condominiais, quem responde por eles é o imóvel em razão da existência de obrigação propter rem, que significa obrigação em razão da coisa.
Trata-se de obrigação que vincula o bem em razão do domínio e, nesse cenário, o adquirente assume a responsabilidade pela liquidação da dívida perante o credor, sob pena de vir a perder o imóvel.
Assim, de nada adiantaria uma discussão judicial para responsabilizar essa ou aquela pessoa, já que quem responde por esse tipo de dívida é o imóvel, daí porque a efetiva necessidade do comprador não isentar o vendedor de apresentar todas as certidões imobiliárias, por mais demorado e burocrático que esse procedimento possa ser.

d) documentos do vendedor: é necessário que qualquer comprador verifique a idoneidade do vendedor, a fim de evitar a ocorrência de fraude, mediante a solicitação dos seguintes documentos: i) cópia do RG e CPF ou CNPJ (se o vendedor for pessoa jurídica) e documentos dos sócios da empresa vendedora;
ii) certidão de nascimento atualizada, a fim de averiguação do estado civil do vendedor;
iii) certidão negativa do INSS e do FGTS, se o vendedor for pessoa jurídica;
iv) certidão negativa de débitos tributários das Fazendas Federal, Estadual e Municipal;
v) certidão da Justiça Estadual e da Justiça Federal, a fim de verificar a ocorrência de ações cíveis; ações criminais e ações de execução fiscal;
vi) certidão negativa da justiça do trabalho; e
vii) certidão negativa da justiça federal.
Sendo o vendedor pessoa jurídica, deve-se ler cuidadosamente cada certidão, especialmente as certidões judiciais (estaduais e federais), além de solicitar certidões dos sócios da empresa, evitando possível fraude contra credores.
Vale destacar que, perante a legislação brasileira, o devedor responde pelo cumprimento de suas obrigações com todos os seus bens, sejam eles presente ou futuros, conforme determina o artigo 591 do Código de Processo Civil. Logo, é imprescindível que o vendedor seja pessoa idônea, moral e financeiramente.

e) vistoria no imóvel: uma boa análise do imóvel usado pode revelar defeitos não apontados pelo vendedor. Abaixo algumas dicas para minimizar os riscos ao comprador:
- vazo sanitário e torneiras: dê a descarga e abra as torneiras para a água correr por determinado período de tempo. Se a água apresentar cor típica de ferrugem é um aviso de que a tubulação é antiga e pode precisar de modificação;
- pintura nas paredes e no teto: sinais de pintura fresca podem ocultar algum vazamento, presença de bolor ou pequena infiltração, especialmente na área do banheiro e lavanderia
- em prédio, observar a aparência da fachada: Uma fachada com apresentação ruim pode revelar que em breve haverá uma reforma, lembrando que reformas na fachada podem levar meses e o rateio durar alguns anos de cobrança adicional na taxa condominial
- face norte: muitas imobiliárias anunciam em todo tipo de mídia que seus imóveis possuem face norte para atrair a atenção dos compradores e obter maior valorização imobiliária, mas nem sempre isso se revela verdadeiro. Se os raios solares atingirem o imóvel pela manhã, de fato o lugar é face norte. Caso os raios recaiam à tarde, a face do imóvel é noroeste, o que embora não seja ruim, saiba que há uma tendência maior do local ficar abafado à noite, o que pode prejudicar o sono de muitas pessoas;
- eletricidade: teste todas as luzes do imóvel em horário de pico (19:00 às 21:00 horas). Caso a intensidade da luz diminua, a rede elétrica pode necessitar de substituição. O mesmo vale para os chuveiros elétricos;
- pisos e azulejos: atente para a presença de ondulações. Leve uma bolinha (bola de golf é melhor) e role-a pelo chão. Se ela correr em direção oposta é prova de que a inclinação do piso está incorreta;
Nos pisos e nos azulejos, oberve a presença de eventual piso ou azulejo estufado. Se constatado, haverá a necessidade de substituição.
- telhado: em residências antigas, veja se há telhas quebradas ou soltas ou, ainda, a presença de cupins nas madeiras, caso seja possível;
- armários: se pensar em utilizar armários existentes no imóvel, atente para a presença de pó acumulado, pois podem revelar a existência de cupins no ambiente.
Toda compra de imóvel é negócio de risco, porém, se o comprador tomar as atitudes necessárias nos moldes acima indicados, a chance de ocorrer algum problema será muito menor.

PARA IMÓVEIS NA PLANTA
Quem pretende adquirir um imóvel na planta ou em construção, após definir a localização, o tamanho e quanto pode pagar, é preciso ficar atento para fechar um bom negócio, levando em consideração os elementos acima e também os seguintes fatores:

a) Procure sempre negociar com uma incorporadora ou construtora séria no mercado. Visite obras já entregues por ela, a fim de apurar a qualidade construtiva e de acabamento, bem como pesquise reclamações nos órgãos de defesa do consumidor da região e veja se possui certificados de qualidade (ISO), além de verificar as certidões judiciais para saber o tipo de ação em que ela eventualmente figure como ré.

b) Verifique no Cartório de Registro de Imóveis competente a matrícula global (também chamada de matrícula mãe) do empreendimento, a fim de constatar a existência do registro da incorporação e se a empresa que figura no Contrato na posição de promitente-vendedora realmente é a proprietária do terreno, evitando-se possíveis fraudes.

c) Exija do corretor ou da própria vendedora uma cópia do memorial de incorporação. Se no estande de vendas ou em outro local qualquer o comprador receber a informação de que a vendedora ainda não o possui, não continue a negociação. Levante e vá embora, já que é crime a construção de empreendimento sem esse documento, uma vez que a Lei de Incorporação (Lei nº 4.591/1964), em seu artigo 32, exige que o incorporador somente negocie sobre unidades autônomas após ter arquivado quinze documentos no cartório de registro de imóveis, dentre eles encontram-se a prova da propriedade do terreno; projeto de construção aprovado na Prefeitura e a descrição do acabamento e material utilizado na construção.

d) Procure imóveis na região desejada cujo preço seja inferior ao de um imóvel pronto, com características similares, notadamente porque empreendimentos na planta correm o risco de não serem entregues dentro do prazo contratual e o consumidor deve pagar menos para suportar esse risco adicional.

e) Analise rigorosamente o contrato que deve apresentar de forma clara e objetiva a qualificação das partes contratantes, bem como o endereço completo e pormenorizado do empreendimento, a descrição da área do imóvel, contemplando área útil e comum da unidade, o preço e as condições do fluxo de pagamento, além da forma de incidência da correção monetária e dos juros.
Analise também o memorial descritivo do empreendimento, atentando para os metais, pisos, azulejos, encanamento, parte elétrica, escoamento de água no interior da unidade, janelas e esquadrias etc.
Por exemplo, no memorial descritivo do apartamento a vendedora afirma que o piso da sala é de porcelanato de determinada marca ou similar. Isso é muito ruim.
Ora, se a marca é aquela, a vendedora deve colocar, no máximo, um segundo fornecedor e desde que realmente seja muito próximo da qualidade do primeiro. Nada de “similares”.
Cumpre destacar que o comprador está adquirindo um projeto de imóvel, cuja descrição contida no memorial é de suma importância para vincular o vendedor àquela qualidade de material.

f) Programe-se para o pagamento do ITBI (imposto sobre transmissão de bens imóveis) perante a Prefeitura! Normalmente os Municípios cobram o equivalente a 2% do valor venal ou sobre o valor de transmissão, prevalecendo o que for maior, sempre.
Além do ITBI, o comprador também pagará pelo custo da Escritura Definitiva de Venda e Compra, caso pague o preço do imóvel perante a incorporadora com recursos próprios. Do contrário, se financiar, pagará uma taxa de escritura para o Banco de sua preferência, responsável pelos trâmites do Contrato de Financiamento.
Também deverá pagar os emolumentos cartorários perante o Registro de Imóveis, ao solicitar a averbação do Contrato de Financiamento ou Escritura Definitiva de Venda e Compra na matrícula individualizada do imóvel.

g) Metragem do imóvel. É normal existir diferenças na metragem dos imóveis adquiridos na planta e isso não é ilegal. O artigo 500, §1º do Código Civil permite a diferença de até 5% na metragem total do imóvel. Evidentemente, o que ultrapassar isso estará sujeito à indenização futura.

h) Verificar cuidadosamente se o Contrato proposto pela vendedora não traz alguma cláusula prevendo o pagamento de “taxa de decoração” por fora do preço do imóvel apresentado no Quadro Resumo.
A taxa de decoração é uma verba a mais que os compradores às vezes pagam para a incorporadora entregar o paisagismo nas áreas comuns, bem como equipamentos para a área de lazer, academia, entre outros.
Isso não deve ser considerado normal em uma compra realizada na planta. Tudo o que o comprador pagar a título de preço, deve englobar o valor do imóvel e das áreas comuns também.

i) Atente para o índice de correção monetária das parcelas mensais, anuais, chaves e de financiamento do saldo devedor. Em geral, o índice é sempre o INCC (em raros casos pode aparecer o CUB) durante as obras e, após a obtenção do “habite-se”, o índice normalmente passa para o IGP-M + juros de mora de 1% ao mês!
Esqueça completamente qualquer afirmação no momento da venda no sentido de que as parcelas durante as obras serão fixas. Isso é lenda. A menos, claro, que isso realmente conste no Contrato. Do contrário, saiba que todas as parcelas a vencer sofrerão correção monetária via INCC durante a obra, o que fatalmente alavancará todo o saldo devedor por ocasião da entrega do imóvel.
E sobre o saldo devedor, observe também se o Contrato de fato prevê ao comprador a possibilidade de quitação mediante obtenção de financiamento bancário com o banco de sua preferência.
Cuidado com eventual cláusula que somente permita o pagamento do saldo devedor através de financiamento direto com a incorporadora ou construtora. Geralmente isso é prejudicial para o comprador, na medida em que utilizam o método da Tabela Price ao invés do sistema SAC de amortização de juros. Portanto, se o Contrato dispuser dessa forma, fuja do negócio.

j) jamais veja o modelo decorado maravilhoso que é construído nas dependências do estande de vendas como o seu imóvel. O modelo decorado não é nada mais do que isso, isto é, um modelo.
Disposição de paredes, portas, janelas, sacada, acabamento do decorado, nada disso reflete no que será entregue ao comprador quando as obras forem terminadas.
Ao receber o imóvel, é comum o comprador ficar chateado ao compará-lo com o modelo decorado do estande de vendas, cuja disposição e material utilizado é diferente. Lembre-se que o modelo decorado é construído como parte da proposta de marketing que a vendedora utiliza para impactar e seduzir o pretenso adquirente.

k) Não é recomendável adquirir os chamados “kits” de personalização do imóvel perante a incorporadora ou construtora que está vendendo o imóvel, pois é comum os preços praticados pelo vendedor serem mais altos do que o mercado em geral.
Embora o comprador possa entender que a personalização diretamente com a vendedora seja algo prático (de fato é!), muitas vezes o que é entregue fica a desejar, sendo absolutamente comum o comprador experimentar uma demora muito grande na reparação de eventuais defeitos.

l) Observar a possibilidade de transferência do contrato e a existência e o valor a ser pago ao vendedor em caso de cessão de direitos para outro comprador. Lembrando que a famosa “taxa de cessão” é entendida pelos Tribunais como ilegal, porém, quase sempre aparece nos Contratos de Promessa de Venda e Compra de imóveis na planta.

m) nunca o comprador deve contratar a aquisição de móveis planejados antes do efetivo recebimento das chaves. Se o comprador aguardou tanto tempo pela entrega do imóvel, não será mais um mês ou dois que fará diferença em sua vida.
Normalmente, as incorporadoras convocam os compradores quando a obra está em vias de finalização para o chamado “dia da medida”. Vale a pena ir até o imóvel para visitar a obras e levar um arquiteto ou a pessoa da loja de móveis planejados para a tomada das medidas, mas só.
Caso a pessoa contrate móveis planejados e a obra atrase, os problemas poderão ser dos mais variados. Desde a cobrança de um aluguel pelo estoque dos móveis que ficaram prontos e ainda não podem ser instalados até a falência ou fechamento irregular da loja de móveis, sendo evidente o prejuízo para o comprador.

n) Registre o Contrato de Promessa de Venda e Compra (seja ele um contrato particular ou de gaveta ou uma Escritura lavrada por Tabelião de Notas) no cartório de registro de imóveis competente, a fim de tornar a compra pública e evitar reclamações de terceiros interessados.

o) Observe no Quadro Resumo do Contrato a existência de prazo para a entrega do imóvel. Isso tem que estar claro e sem ressalvas.
Contratos que estipulem prazo de entrega sujeito à contratação de financiamento bancário futuro pode ser um grande problema na vida do comprador, assim como contratos que deixam o prazo de entrega do bem sujeito à ocorrência de evento futuro.
É o chamado “prazo em branco”, entendido pelos Tribunais como nulo de pleno direito, podendo levar ao desfazimento do negócio por culpa do vendedor e a restituição de todos os valores pagos pelo comprador, acrescido de correção monetária e juros.

p) E, finalmente, vale a dica de ouro para esse tipo de aquisição que quase ninguém segue ou sequer sabe. Tente pagar o máximo possível durante a fase de obras e financiar o mínimo necessário, pois, durante o período de obras, todas as parcelas vincendas são inevitavelmente corrigidas pelo INCC, o que faz com que aumentem de forma significativa no momento da entrega do empreendimento, provocando surpresas desagradáveis para a maioria dos compradores.
Em último caso, na hipótese do comprador não ter condições de quitar o saldo devedor, seja com recursos próprios ou mediante financiamento, ele tem o direito assegurado em solicitar a rescisão do negócio pela via judicial, a fim de receber grande parte dos valores pagos, acrescidos de correção monetária e juros.
Por Ivan Mercadante Boscardin
Fonte Jus Navigandi